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Uma ótima orquestra francesa com sotaque russo

Foto/Divulgação

João Marcos Coelho

Não é sempre que se tem um concerto sinfônico inteiro só com música do século 20. Dois russos, Shostakovich e Stravinsky, e um francês, Debussy. Este foi o repertório escolhido para o segundo concerto do regente russo Tugan Sokhiev com os músicos franceses da Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse na Sala São Paulo, dentro da temporada 2017 da Sociedade de Cultura Artística.

Uma boa ideia. Mas os músicos franceses foram seduzidos pela predominância russa a partir da batuta segura e firme de Sokhiev É incrível, mas a ótima orquestra francesa parecia… russa. Uma orquestra a caráter para Shostakovich e Stravinsky. Vigorosa demais – provavelmente em consequência da regência -, a orquestra preferiu sempre subir a voltagem das dinâmicas (algumas vezes demais), em detrimento do discurso musical debussysta, muito mais nuanceado.

Assim, o ótimo regente Tugan Sokhiev construiu uma formidável primeira parte, dedicada a duas das obras mais populares de Dmitri Shostakovich (1906-1975). A Abertura Festiva, de 1954, composta para comemorar os 37 anos da Revolução Russa, é puro fogo de artifício demagógico. Mas é música que levanta plateias em qualquer lugar. Assim como, aliás, o Concerto no. 1 para piano e trompete, obra de 1933. Mas o concerto, se levanta plateias, também consegue impor-se como obra interessante do ponto de vista construtivo. O trompete, bem tocado pela francesinha Lucienne Renaudin Vary de 18 anos, é um tímido coadjuvante que comenta aqui e ali o piano solista. Este último enfrenta mil e uma dificuldades técnicas e um virtuosismo a toda prova. Bertrand Chamayou captou como poucos esta música ora jocosa, ora provocativamente virtuosística, ressaltando sua vitalidade rítmica. Naquele momento, Shostakovich ainda se encantava com o regime soviético. Aqui o otimismo ainda soa sincero; na Abertura Festiva, é postiço, artificial.

O mesmo clima vigoroso, cheio de fortíssimos e muita transpiração, esteve presente na boa execução do Pássaro de Fogo, primeira obra composta por Igor Stravinsky (1882-1971) para os Balés Russos de Diaghilev em Paris, em 1910.

Todo este “punch” deveria ter sido abrandado na sinfonia enrustida que Debussy compôs sob o disfarce de “três esboços sinfônicos” intitulada La Mer. Um crítico que assistiu à estreia reclamou que não encontrou o mar na obra. Ora, a dificuldade de se tocar Debussy é justamente esta. Sua música não é descritiva. Reflete, antes disso, quase um fluxo livre de impressões, ideias, lembranças. Segue, como ele mesmo disse, a única regra que vale a pena: “o prazer” pelos timbres, pelas sonoridades. Sokhiev bem que tentou, mas nem sempre conseguiu imprimir as nuances tão necessárias a esta música muito mais sutil.

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