O retratado de hoje é um dos meus poetas favoritos. E como não apreciar esse baluarte, que possui histórias pra lá de metro para O Lado B da Literatura? Constante na poesia, Vinicius de Moraes amou demais.
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, nascido no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913, foi poeta, dramaturgo, cantor, compositor, jornalista e diplomata.
Filho de Clodoaldo e Lydia, cedo despertou para a poesia. Seu pai teve um revés econômico e a família mudou-se para a zona norte, na casa dos avós do poeta na Ilha do Governador. Ali, correndo solto pelas praias tranquilas, deitado sobre a areia, a olhar o céu noturno, o pequeno infante, sadio e grimpante, apaixonou-se pela vida, e fez dessa paixão algo intenso e duradouro. Levou em seu peito um coração de menino pelo resto da vida.
Relatou que, anos depois, já maduro, descobriu um caderno naquela antiga casa, com poemas feitos por seu pai. Os poemas, com aspectos pós-parnasianos, surpreenderam-no sobremodo.
Cedo, aos 19 anos, publicou seu primeiro livro, “O Caminho para a Distância”, em 1933, pela Schmidt Editora. Fora levado ao editor, o gordo e alto Augusto Frederico Schmidt, por um amigo em comum. Schmidt olhou-o de cima para baixo e disse:
– Mas é uma criança!
Vinicius ficou com os brios feridos, mas confiou os originais a Schmidt, que publicou o livro, inscrevendo-o entre os escritores notáveis lançados por sua editora de curta existência.
Entre 1938 e 1939, já graduado em direito, Vinicius esteve na Inglaterra estudando literatura inglesa, em Oxford. A eclosão da 2.a Guerra Mundial abreviou sua estada na Europa, para onde voltaria no exercício de funções diplomáticas – por concurso, em 1943, ingressou no Itamaraty, servindo ao Brasil na França, Itália, Estados Unidos e Uruguai.
Foi aposentado compulsoriamente na ditadura, em 1968. Por influência de Figueiredo, então chefe do temido SNI (Serviço Nacional de Informações), a quem, anos depois, perguntaram se ele fizera o dossiê contra Vinicius, recomendando sua aposentadoria, porque o poeta era comunista, ao que o general respondeu:
– Comunista nada… É porque ele não trabalhava mesmo. Recebíamos informes de que ele recebia 6 mil dólares por mês e não aparecia na repartição, em Montevidéu. Vivia no Brasil, tocando violão, fazendo show com copo de uísque na mão… Mandamos brasa e recomendamos demitir.
Em 2010, já anistiado, Vinicius foi simbolicamente reintegrado à carreira diplomática, no posto mais alto, Ministro de Primeira Classe.
Vinicius foi homem de muitos amores. Casou-se várias vezes.
Dizia que a vida sem paixão era um copo d’água com pedra de gelo esquecida. Gostava de amar com entrega e escrever sobre isso. Suas esposas — e foram muitas — compunham uma espécie de harém sentimental, cada uma representando um verso distinto em sua longa canção existencial. Ao todo, foram nove casamentos, embora Vinicius nunca tenha contado com exatidão. Como bom poeta, preferia arredondar:
— Casei-me umas tantas vezes, todas por amor.
A primeira foi Beatriz Azevedo de Mello, sua colega dos tempos de faculdade. Casamento breve, de juventude, durou o suficiente para deixá-lo melancólico em sonetos. Depois veio Regina Machado, com quem teve duas filhas e mais sossego por algum tempo. Mas sossego não era sua morada. O amor, para ele, precisava de ruído, de pele, de um pouco de abismo.
Veio Lila Bôscoli, atriz, intensa, cuja presença incendiava os ambientes. Durou pouco, como tudo que arde em demasia. Depois, Maria Lúcia Proença, elegante e culta, tradutora de mãos delicadas, mas de espírito exigente. Ali, Vinicius aprendeu que não basta o poeta saber rimar: tem de saber ouvir também.
Nelita Abreu Rocha, filha do jurista Pontes de Miranda, foi um episódio discreto, quase nota de rodapé. Já com Cristina Gurjão, mãe de dois de seus filhos, Vinicius experimentou talvez o que mais se aproximou de uma família. Mas nem assim sossegou.
Foi então que se encantou por Gesse Gessy, atriz e cantora, que se tornaria também sua empresária. Os dois viviam entre tapas e beijos (mais beijos, segundo ele). Gesse era intensa como ele, e isso nunca acaba bem. Ou acaba em samba, que era como ele preferia terminar os amores: em compasso binário, com melodia triste e letra bonita.
Depois, o poeta enamorou-se da pianista Marta Santamaria, uruguaia, refinada, de quem ele dizia que os dedos tocavam tanto o piano quanto sua alma. Viveram bons anos, até que a música entre os dois desafinou.
Por fim, Gilda Mattoso, jornalista, a última mulher de sua vida e a que o acompanhou até a morte, em 1980. A ela, Vinicius dedicou serenidade, o pouco que ainda restava depois de tantas noites boêmias e madrugadas etílicas. De Gilda, dizia que era mais que amor: era ternura.
Neruda, seu grande amigo, a cada vez que encontrava o Poetinha com uma nova esposa, surpreendia-se, pois uma era sempre mais jovem que a última. Um dia, em visita ao sítio do paisagista Roberto Burle Marx, no Rio, Neruda e Matilde, acompanhados de Vinicius, passavam horas agradáveis no local, quando uma menina passa correndo e brincando. O poeta chileno brincou:
— Matilde, mira, la próxima esposa de Vinicius.
Cada casamento, uma rima. Cada separação, uma pausa. E ele, incansável, com seu copo de uísque na mão, dizia:
— O amor é eterno… enquanto dure.
E, para Vinicius, sempre durava o suficiente para virar poesia.
A vida múltipla e rica de Vinicius terminou em 9 de julho de 1980, em sua casa na rua Frederico Eyer, 149, casa 3, no mesmo bairro de sua cidade natal.
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Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.
