Dizem que toda cidade pequena tem seus fantasmas. Em algumas, eles vestem branco e arrastam correntes. Em outras, usam véu e aparecem nos espelhos. Mas lá no sertão de Pernambuco, os fantasmas têm flor no cabelo e cheiro de mato fresco. Um deles atende pelo nome de Comadre Florzinha
Era uma vez uma moça que andava pelas trilhas das matas com passos leves como o vento e olhos brilhantes como estrelas recém-nascidas. Não se sabia ao certo de onde viera — uns diziam que era filha de um encantado com uma mulher da terra, outros juravam que era uma índia que conhecera os segredos das ervas e dos ventos.
Florzinha tinha fama de justiceira. Quando um homem tratava mal sua mulher, bastava ele se embrenhar no mato e logo se ouvia um uivo estranho, como de um vento bravo que sussurrava promessas. Depois disso, o tal sujeito voltava calado, tremendo, jurando que nunca mais punha a mão em mulher nenhuma. E cumpria.
Mas isso é a lenda.
A história, aquela mais silenciosa que só vive nos sussurros das senhoras mais velhas na calçada, conta que Florzinha foi uma mulher real. Morrera jovem, dizem, defendendo outra moça das garras de um coronel. Sua coragem virou memória, sua memória virou mito, e o mito criou raízes nas veredas e nas folhas da mata.
Hoje, quem passa por aquelas bandas ainda sente o perfume doce de flores de laranjeira no ar. E se você for homem e não tiver boas intenções, melhor nem se arriscar nas trilhas. Florzinha não gosta de covardes nem de valentões. Ela aparece com um vestido branco que parece névoa e olhos que brilham como lamparinas de alma.
Ninguém a vê duas vezes — uma é lição, duas é castigo.
E assim, entre a lenda e a história, Comadre Florzinha segue viva. Nas conversas ao pé do fogo, nas cantigas de ninar e nos silêncios da mata. Uma guardiã invisível, que planta justiça onde antes só havia medo.
Porque toda cidade pequena tem seus fantasmas. Mas poucos são tão floridos quanto ela.
