Notibras

A maldição que vem junto com a Lua Cheia no Sertão

Dizem que no sertão do Nordeste, lá pros lados de Juazeiro do Norte, quando a lua cheia se levanta redonda feito um prato de alumínio, o povo fecha as portas cedo e os cachorros se recolhem com o rabo entre as pernas. É que, por aquelas bandas, corre uma história antiga, passada de boca em boca, como reza ou maldição.

Era um tempo de seca braba, chão rachado, céu de brasas e esperança pouca. Naquelas noites quentes e silenciosas, só se ouvia o canto triste do carcará e o estalo seco das madeiras envelhecidas das casas de taipa. Mas havia algo mais. Um uivo. Um lamento vindo do mato.

Contam os mais velhos que existiu um homem chamado Benedito, cabra bom, trabalhador, filho de parteira e neto de curandeira. Era conhecido por ajudar a todos, mas trazia nos olhos uma tristeza funda, daquelas que só se explicam por mal de alma. Toda noite de lua cheia, ele sumia. Dizia que ia caçar. Mas ninguém via ele voltar com peixe nem com tatu.

Certa feita, um curioso de fora resolveu seguir Benedito. O povo avisou: “Não vá mexer com o que não entende, moço. Lobisomem não é bicho de se caçar, é maldição que se respeita.” Mas o forasteiro, vaidoso, não deu ouvidos.

Na calada da noite, de facão na cinta e coragem na mão, entrou no mato atrás do cabra. Só voltou no outro dia, suando frio, com os olhos arregalados e os cabelos todos brancos, como quem viu o próprio capeta. Nunca mais falou, nem riu, nem chorou. Virou uma sombra de gente.

Dizem que viu Benedito se transformar. Que seus ossos estalaram como galhos secos e a pele se rasgou pra dar lugar ao pelo negro e denso. As mãos viraram garras, os olhos, brasas vivas. Um lobo homem, uma besta entre dois mundos, castigado por uma sina antiga: ter nascido o sétimo filho homem de uma linhagem marcada pelo pecado.

A partir daquele dia, ninguém mais viu Benedito em forma de homem. Mas, toda lua cheia, o povo ainda ouve os uivos cruzando a caatinga, fazendo as lamparinas tremerem e os galos se calarem. E os mais antigos, de olhos desconfiados e fé entrelaçada com medo, murmuram:

— Lá vai ele… o lobisomem do sertão. Que Deus tenha piedade.

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