Em cada esquina do país, há rostos infantis que carregam no olhar um peso que não deveriam conhecer: o abandono. São milhares de crianças que vivem fora do aconchego de um lar, longe do afeto de uma família, entregues à própria sorte ou acolhidas por abrigos e instituições que, muitas vezes, não conseguem suprir o vazio deixado pela ausência dos pais.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de 30 mil crianças e adolescentes vivem em unidades de acolhimento no Brasil. A maioria chega por negligência, maus-tratos ou abandono. A cada história, um trauma. A cada criança, uma marca profunda e duradoura.
Letícia*, de 9 anos, vive em um abrigo no interior de Minas Gerais desde os 5. Foi encontrada sozinha em casa, faminta e doente, após vizinhos denunciarem o desaparecimento dos pais usuários de drogas. “Ela demorou meses para falar com alguém. Chorava à noite, com medo do escuro e de ser deixada de novo”, conta uma das cuidadoras.
O abandono não é apenas físico. É emocional, psicológico e social. Crianças abandonadas tendem a apresentar dificuldades de aprendizagem, baixa autoestima e comportamento agressivo ou retraído. A ausência de vínculos afetivos nos primeiros anos de vida pode comprometer seriamente o desenvolvimento cognitivo e emocional.
“São crianças que crescem com a sensação de que não são importantes, de que não merecem amor. Isso se reflete em toda a trajetória escolar, profissional e relacional”, explica a psicóloga infantil Carla Menezes.
Apesar do cenário difícil, há iniciativas que buscam mudar essas histórias. Programas de apadrinhamento afetivo, adoções tardias e redes de apoio comunitário têm feito a diferença. Mas o desafio é grande: muitos ainda esperam por um lar definitivo — especialmente os mais velhos e os irmãos que não querem ser separados.
“Adotei a Camila com 11 anos. Diziam que era difícil, que era rebelde. Mas tudo o que ela queria era ser ouvida, ser amada. Hoje, é a luz da minha vida”, conta Maria Teresa, mãe adotiva em São Paulo.
A sociedade precisa olhar para essas crianças não com pena, mas com responsabilidade. Cada uma delas tem uma história, um potencial e um desejo legítimo de pertencer. O abandono marca, sim. Mas o amor, o cuidado e a inclusão também podem deixar marcas — das que curam.
