Na pequena cidade de Monte Santo, no sertão baiano, a estudante Ana Clara, 16 anos, sobe em uma pedra todos os dias para tentar captar sinal de internet no celular e assistir às aulas online. Já em Recife, o mototaxista Marcos Vinícius, 32, descobriu nos aplicativos de entrega a possibilidade de complementar a renda da família. Distantes no território, mas próximos na realidade, ambos revelam a face da inclusão digital no Nordeste: um processo que avança, mas ainda marcado por desigualdades profundas.
Segundo dados de 2024 do IBGE, cerca de 78% dos domicílios nordestinos têm acesso à internet, um salto considerável em comparação à última década. No entanto, esse índice ainda é inferior à média nacional, que ultrapassa os 85%. A desigualdade fica evidente ao comparar áreas urbanas e rurais: nas capitais, a cobertura chega a 90%, mas em municípios do semiárido, menos da metade das casas dispõe de conexão regular.
“Ter internet deixou de ser luxo. Hoje, significa acesso a educação, saúde, trabalho e cidadania. Quem está desconectado está automaticamente excluído”, avalia o pesquisador Marcelo Dias, do Observatório Nacional de Inclusão Digital.
O acesso à internet não depende apenas de cobertura, mas também de infraestrutura e renda. Em comunidades rurais do Piauí e do Maranhão, famílias ainda dividem um único celular para estudos, trabalho e comunicação. “O pacote de dados acaba em uma semana, e depois é preciso escolher: ou pago a internet, ou compro comida”, relata a agricultora Josefa Gomes, de Esperantina (PI).
Outro obstáculo é a falta de habilidades digitais. Muitos idosos e trabalhadores informais têm dificuldade em utilizar aplicativos bancários ou de serviços básicos. Essa lacuna impede que usufruam plenamente dos benefícios do mundo digital.
A pandemia de Covid-19 escancarou as desigualdades digitais na educação. Embora tenha havido investimentos em plataformas de ensino remoto, milhares de estudantes nordestinos ficaram para trás. Em 2025, a situação melhorou, mas ainda está longe do ideal.
De acordo com o Censo Escolar, 27% dos alunos da rede pública do Nordeste afirmam ter dificuldade de acessar conteúdos digitais regularmente, seja por falta de internet estável, seja por ausência de equipamentos adequados. “Não adianta ter apenas o celular. Para escrever, pesquisar e produzir, é preciso computador. O problema é que quase ninguém pode comprar”, explica a professora Lidiane Costa, da rede estadual de Pernambuco.
A inclusão digital também redefine as oportunidades econômicas. O Nordeste é hoje uma das regiões que mais cresce no uso de plataformas de comércio eletrônico e aplicativos de transporte e entrega. Jovens empreendedores têm encontrado na internet uma vitrine para vender artesanato, culinária regional e serviços criativos.
No entanto, a precarização do trabalho digital também preocupa. “Muitos entram em aplicativos sem direitos trabalhistas e sem garantia de renda estável. A inclusão digital precisa vir acompanhada de políticas de proteção social”, alerta a economista Carla Moreira, da Universidade Federal do Ceará.
Programas federais e estaduais vêm tentando reduzir a exclusão digital. A Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, lançada em 2023, prevê levar internet de qualidade a cerca de 138 mil instituições até 2026, com prioridade para o Nordeste. Além disso, estados como Ceará e Bahia investem em laboratórios digitais comunitários e em projetos de cidades inteligentes, que ampliam o acesso gratuito a redes públicas de wi-fi em praças e terminais de ônibus.
Experiências locais também se destacam: em comunidades rurais do Rio Grande do Norte, associações de moradores instalam antenas comunitárias que distribuem sinal de internet por preços simbólicos. Em Salvador, bibliotecas públicas oferecem não apenas acesso gratuito à internet, mas também cursos de capacitação em tecnologia.
Especialistas reforçam que não basta garantir conexão: é preciso capacitar as pessoas para usá-la de forma crítica e produtiva. “A alfabetização digital é tão importante quanto a alfabetização tradicional. Sem ela, a exclusão se perpetua, mesmo com internet disponível”, defende a pesquisadora Eliane Souza, da Universidade Federal da Bahia.
Entre a expansão da fibra óptica, o crescimento das redes móveis e a criatividade de iniciativas locais, o Nordeste dá passos importantes rumo à inclusão digital. Mas os desafios permanecem: custo elevado, desigualdade social e carência de capacitação tecnológica.
No sertão ou nas grandes capitais, a conectividade já não é apenas questão de modernidade — é direito humano essencial. A luta, agora, é para que esse direito seja universal e democrático, garantindo que cada nordestino, seja na beira-mar ou no sertão profundo, possa acessar e se apropriar plenamente do mundo digital.
