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Agora é pauleira, Bolsonaro. Biden não é de brincar

Os Estados Unidos têm novo presidente. Entra Joe Biden e sai o amarelão Donald Trump, que não deixará saudades. País mais poderoso e mais dividido do mundo, os EUA, além da pandemia do Covid-19, que já matou mais de 400 mil norte-americanos, convivem com dúvidas internacionais e uma recessão das mais complicadas. Biden terá muito trabalho pela frente. Por exemplo apaziguar os ânimos internos e tentar amenizar as “oposições” internacionais, entre elas a do Brasil, reprovado no teste de aprendiz de feiticeiro, mas com um dirigente que se acha capaz de incomodar o império do Tio Sam. Biden e o Exército yankee estão morrendo de medo do alcance de nossa pólvora.

Com o encerramento dos quatro medíocres anos de mandato de Donald Trump à frente da Casa Branca, resta a simplória pergunta que não quer calar: de que adiantou tanto poder? A resposta é ainda mais simples: de nada, pois o agora ex-presidente saiu sem nenhum. Se entrou com alguma, perdeu a dignidade, a honra, o prestígio e, principalmente, os votos. Sobraram as certezas de que a maioria dos norte-americanos não o quer de volta, o planeta o abomina e chegou ao ocaso como um dos piores comandantes dos Estados Unidos. Ao longo desse período, semeou ódio, rancor, inimizades, incertezas, desrespeito, deslealdade, discórdia, desordem, homofobia, racismo, radicalismos, loucuras, muitas loucuras, rupturas e dor.

Colheu em dobro o que plantou. Entre os numerosos fracassos, felizmente não conseguiu construir um muro para distinguir a riqueza dos Estados Unidos da pobreza mexicana. Também foi impedido de implementar a política de separação de pais e filhos imigrantes. Vale lembrar que algumas crianças chegaram a ser colocadas em jaulas. Foram quase 1.460 dias no poder, tempo suficiente para gerar seguidores espalhados pelo planeta, inclusive no lado oposto da América, onde está fincado o mais fiel dos seus fãs. Certamente Biden começará a batalha presidencial tentando amenizar o ódio e a polarização política. Também deverá rever toda a agenda trumpista, notadamente as orientações comerciais com o Brasil, questões climáticas e, o mais importante, controlar a tensão com a China.

Único presidente da poderosa nação da América a rechear o currículo com dois pedidos de impeachment, o magnata Donald Trump mostrou-se tardiamente arrependido da proeza de insuflar – quase ordenar – a invasão do Capitólio por milicianos armados e dispostos a manter o país mergulhado na escuridão do autoritarismo, dos desmandos e da barbárie. Ninguém acreditou, é claro. Em escala reduzida, mas com a mesma gravidade, o Brasil do bolsonarismo pode sofrer, em 2022, ameaças parecidas, com armas menos poderosas, mas com poderio idêntico de confirmação da ruptura.

O legado produtivo de Trump para Joe Biden é muito maior do que um país quebrado, dividido e rancoroso. Na verdade, é tenebroso. O magnata (?) sai pela porta dos fundos, deixando um rastro interminável de devastação política, econômica e social. Certamente a recuperação ensejará algumas dezenas de anos. A proposta do caos era conhecida até pelas ratazanas da Casa Branca. No fim do governo, os Estados Unidos deveriam ser conhecidos, na concepção cabeluda do presidente de cabelo pintado, como a Nova Ordem Mundial. Como desejou Hitler em meados do século passado, seriam uma nação de supremacia branca e sem imigrantes tomadores de empregos dos nativos. Nada mais imbecil na época dos alemães. Nada mais imbecil em nossos dias.

O que realmente Donald Trump e assessores produziram foram ensinamentos sobre sabotagens, fake News, teorias conspiratórias e robustos financiamentos à extrema-direita, também alimentada com discursos homofóbicos, racistas e misóginos. Sem qualquer pudor, o que o presidente sarará imaginava era sacudir – talvez derrubar – a democracia local, uma das mais sólidas do mundo. Lamento, mas impensável – quase impossível – falar de Trump sem lembrar da família Bolsonaro e dos bolsominions. O longo aprendizado sobre o modus operandis do totem trumpista despertou o desejo do filho 03 (o deputado federal Eduardo Bolsonaro) a se apresentar como aspirante ao disputado cargo de embaixador brasileiro nos EUA, onde já tivemos Oswaldo Aranha, Walther Moreira Sales, Ernani do Amaral Peixoto, Roberto Campos, Juracy Magalhães, Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricupero e Sérgio Amaral, entre outros.

Pasmem, mas o escrivão da Polícia Federal e político Eduardo Bolsonaro realmente manifestou essa vontade com aval de Donald Trump. Chegou a posar para fotos com o magnata na Casa Branca. Ainda bem que ficamos apenas no desejo. O que temos hoje são fatos concretos. O maioral americano sai e deixa, do outro lado da América, um seguidor tão belicoso como seus milicianos armados. Essa belicosidade não é novidade (tampouco inesperada) para um presidente militar – de patente baixa, mas de ego altíssimo -, que, logo nos primeiros dias de governo, tornou pública a disposição de minar instituições constituídas, reduzir a pó adversários e, se possível, exterminar os que se aventurassem a rezar em outra cartilha.

Até agora fez o que prometeu, embora tenha sido contido em várias ocasiões pelo Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional ou por suas escancaradas ignávias e fraquezas. Como na Casa Branca, Até os ratos dos palácios do Planalto e da Alvorada já descobriram que Bolsonaro e seus apoiadores têm medo de tudo que esclarece às pessoas: imprensa, ciência e educação. Eles precisam que as pessoas se mantenham alheias, acreditando em fantasias e ignorâncias. Agarrado até o pescoço à sua tênue base, o presidente não acredita, mas pode estar dando um tiro no pé ao insistir em seguir a fracassada estratégia de Trump.

Ainda não conseguiu ou não quer perceber que, por clara falta de convergência do discurso, radicalismos ampliam o distanciamento entre o político – no caso ele – e o eleitorado avulso, hoje maioria quase absoluta. Com a aproximação da eleição para as mesas da Câmara e do Senado, Bolsonaro virou a página, conscientemente colou no Centrão e deixou de, hipocritamente, discursar contra a corrupção. Aliás, começou a agir assim desde a estúpida demissão de Sérgio Moro. E a estupidez deve continuar. O filho 03 antecipou que permanecerá trabalhando com a parcela dos imbecis norte-americanos que se manifestaram contra Biden. Pior foi a ameaça do pai, que disse recentemente a seguidores que, caso não haja voto impresso em 2022, a situação pode ficar pior. O povo vai pagar para ver. Se não brincar nem perder, não desça para o play.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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