O Nordeste tem enfrentado um dos períodos mais desafiadores dos últimos anos. A alta nos preços dos alimentos, aliada à desigualdade histórica da região, tem colocado milhões de famílias em situação de insegurança alimentar. Nas feiras, mercados e prateleiras de supermercados, o impacto é sentido diariamente: o feijão, o arroz, a carne e até mesmo a farinha de mandioca — base da alimentação popular — ficaram mais caros e cada vez mais distantes da mesa de muitas famílias.
Segundo dados recentes da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), cerca de 30% das famílias nordestinas vivem em insegurança alimentar moderada ou grave. Isso significa que muitas delas já passaram por situações de não ter comida suficiente ou de reduzir o número de refeições diárias.
“Antes eu comprava dois quilos de feijão no mês. Hoje só dá para levar um, e ainda preciso misturar com macarrão para render”, conta Maria das Dores, 48 anos, dona de casa em Caruaru (PE).
Os preços de alimentos básicos subiram acima da média da inflação. O leite, por exemplo, registrou aumentos consecutivos, pressionado pela seca em algumas áreas e pelo custo do transporte. O milho e a soja, usados na alimentação animal, também encareceram, refletindo no preço da carne, do frango e dos ovos.
No interior do Piauí, o agricultor João Ferreira explica que até os pequenos produtores sentem o peso da crise:
“Quem planta milho e feijão não consegue vender a preço justo, porque o atravessador paga pouco. E, quando a gente vai comprar no mercado, o valor é muito maior. Fica difícil sobreviver.”
Governos estaduais e prefeituras têm adotado medidas como a ampliação de restaurantes populares, feiras de produtos da agricultura familiar e programas de cestas básicas. O Bolsa Família, que voltou a ser fortalecido nos últimos anos, também tem sido essencial para amenizar os impactos.
Movimentos sociais e organizações civis intensificaram campanhas de solidariedade. Cozinhas comunitárias e mutirões de distribuição de alimentos se espalham em capitais como Salvador, Fortaleza e Recife, garantindo refeições diárias a milhares de pessoas.
Para a economista Ana Paula Nascimento, da Universidade Federal do Ceará, é necessário olhar para soluções estruturais:
“A fome não é apenas resultado da falta de alimentos, mas da falta de renda. Enquanto não houver geração de empregos dignos e valorização da agricultura familiar, continuaremos a ver o povo nordestino lutando para garantir o básico.”
Apesar das dificuldades, há sinais de resistência. Cooperativas agrícolas no semiárido investem em sistemas de irrigação sustentáveis e na produção de hortaliças orgânicas, que chegam a preços mais acessíveis às feiras locais. Iniciativas de bancos de sementes e quintais produtivos também fortalecem a autonomia das comunidades.
