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Bolsonaro mira democracia com voto impresso

Com as ressalvas de sempre, sou obrigado a concordar com o presidente Bolsonaro quando ele afirma que o Brasil é uma republiqueta. Faltou acrescentar que é de bananas e governada por meio de encontros vespertinos com apoiadores fanatizados e de lives semanais. Fora disso, no hay gobierno. Também discordo da afirmação de que essa nova formatação do país tenha a ver com a urna eletrônica. Afinal, ainda que defenda o retrocesso, dos 28 anos como deputado federal, a maquininha do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi utilizada em pelo menos seis dos sete mandatos. Incluindo a vitória presidencial em 2018, ele e o TSE caminham para quase 30 anos de parceria vitoriosa. Essa historinha é só para ilustrar e tentar encontrar alguma razão para essa birra contra o sistema eleitoral brasileiro justamente às vésperas de uma eleição que pode defenestrá-lo da ribalta.

Também temos de lembrar prazerosamente daquela outra historieta envolvendo o mega empresário e mega derrotado Donald Trump e o “mineirinho” Joe Biden. Muito mais poderoso, Trump ameaçou, esperneou, berrou, mas perdeu. Comendo pelas beiradas, mas com melhores ideias e propostas concretas, Biden venceu e, pouco tempo depois, convenceu e enquadrou quem o escorraçou. Nenhuma alusão ao Brasil de hoje, muito menos ao de amanhã. Trata-se apenas de dar mais publicidade a uma nova ameaça do chefe da nação. Na live da semana passada, ele usou de seu “poder” absolutista para sepultar a eleição de 2022 caso o Congresso não valide imediatamente a chamada auditagem do voto. Aproveitou o palco para alardear que o presidente do TSE, ministro Luiz Roberto Barroso, contrário ao projeto bolsonarista, não é o dono do mundo.

Mais uma vez concordo com a afirmação. Barroso é apenas o filho do dono do mundo. Aliás, exatamente como o ocupante da principal cadeira do Palácio do Planalto. Os poderes de um e de outro são limitados por um livrinho sério e que levou anos para ser construído. Gritos, ameaças e sangue nos olhos são insuficientes para mudar normas, regras e leis. Próxima da idade de Cristo, a Constituição brasileira pode ser alterada por meio de emendas. Entretanto, para isso são necessários votos, muitos votos, votos com abundância nas duas casas do Congresso. E esse quantitativo de votos terá de ser conquistado em duas votações tanto na Câmara quanto no Senado. Convenhamos que não é para qualquer um. Assim como no futebol ruim, a urna pune quem joga mal o jogo político. Resumindo, o tiro pode sair pela culatra.

Antes de arroubos ameaçadores e teses golpistas, é preciso combinar com os russos. Na acepção da palavra, tem de ter base. Não basta o voto da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Também defensor da iniciativa, Arthur Lira (PP-AL) percebeu o tamanho do pepino e já deixou claro que só a colocará em pauta se a maioria dos líderes aprovar. Ou seja, dificilmente conseguirão retroceder e fulanizar uma das maiores conquistas da engenharia eletrônica nacional sem os três quintos de deputados e senadores. Auditar até que é um verbo forte e interessante. No entanto, no caso específico é perfeitamente desnecessário, na medida em que a Justiça Eleitoral já atende a todos os desejos melodramáticos dos que defendem a impressão do papelito após a conclusão de cada voto. Além do farto conhecimento acerca do equipamento de votação, acredita-se que a maioria esmagadora dos congressistas tem outras preocupações. O mundo continua perplexo com os alarmantes números da Covid-19 no Brasil.

Obviamente que não é culpa do presidente da República, mas, desde a metade da atual administração, as pessoas estão morrendo a rodo. Apesar dos números alarmantes e do isolamento mundial que nos impuseram, o voto impresso continua na ordem do dia do Palácio do Planalto. Muito mais do que isso. É o único item de interesse do governo, que critica o sistema, mas não apresenta provas contra ele. O resto, inclusive a matança provocada pela Covid, a fome de milhares de eleitores e a falta de vacinas capaz de controlar o vírus, é de somenos importância. Na verdade, não é de nenhuma importância. Auditar a urna eletrônica é o que interessa, o resto não tem pressa. Até a derrota de Aécio Neves em 2014 virou cortina de fumaça para Jair Messias.

Independente do alto custo da brincadeira, Bolsonaro foi claro ao afirmar que “vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso, porque se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”. Sério e apenas o filho do dono do mundo, o ministro Luiz Roberto Barroso também deu seu recado: “Será um caos a adoção do voto impresso”. O que Barroso não disse é que, dependendo do “timing”, a sede do voto impresso pode realmente deixar o país sem eleição. Não haverá tempo hábil para licitar, comprar e acoplar a geringonça à urna eletrônica. Voltando a Trump e Biden, veremos quem será Golias e quem será o mineirinho Sansão. A decisão caberá ao Parlamento, que ainda não conseguiu amenizar a dor das 421 mil famílias que perderam pais, filhos e netos para a Covid. Como escreveu lá atrás o pernambucano Manuel Bandeira “os corpos se entendem, mas as almas não”.

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