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Brasil precisa se reinventar enterrando os fantasmas do retrocesso

O Brasil é um somatório de coisas boas e ruins, de erros e acertos. O primeiro movimento para recuperarmos a paz é a reconciliação com nossa história, com nossas tradições. E isso passa obrigatoriamente pela aceitação da tese indígena de que o país foi construído sobre um cemitério de índios, de negros escravizados e de supostos comunistas. Talvez ela (a tese) seja a origem dos lendários personagens com os quais convivemos na infância. Uma pena que os folclóricos Saci-pererê, Boitatá, Curupira, Lobisomem e Mula sem cabeça tenham dado lugar a figuras físicas bem mais medonhas, com nomes, identidades e CPFs bem mais aterrorizantes.

Estulta e abusivamente, diziam há 60 anos que comunistas “comiam” criancinhas. Os crédulos, leigos, fanáticos e lunáticos acreditavam. Como esses tipos ainda existem entre nós, eles continuam acreditando. Tanto que, a exemplo de Michael Jackson e de Elvis Presley, os mitos que eles veneram não morrem. Um está no poder. O sonho sonhado do outro em tomar o poder a qualquer preço virou pesadelo. Então, por que rir das crianças que creem em Papai Noel. Sem margem de erro para riba ou para bajo, a esses digo que ainda há milhares de adultos que acreditam nas mentiras de Jair Bolsonaro. Como contrapartida, milhões votaram em Lula da Silva.

São os endeusadores do satanás de rabo que, por exemplo, me taxam de comunista somente porque não consigo ter sentimento algum por antidemocratas e golpistas. Por isso, tenho ojeriza pelo tal do bolsonarismo. Por outro lado, nunca fiz e não faço parte da militância do PT, mas tenho clara simpatia por Luiz Inácio. Sou mulher, brasileira e, como fiz, sem arrependimentos, em 2018 e em 2022, votarei mais um milhão de vezes em alguém do PT ou de qualquer outra legenda que mostre disposição de defender a democracia. Admito votar em quem “come” criancinha, mas jamais votarei em alguém que, em nome do poder, negocia o assassinato de um adversário.

Eis a diferença entre comunista e “patriota”. Não sei se entendem, mas, independentemente do fracasso, o planejamento do golpe soou como se tivéssemos voltado 60 anos no tempo. Além da inteligência da época, a desproporção é que o requinte de crueldade de hoje é bem maior. As moscas do passado tinham pedigree e divisas reluzentes. Apesar da inferioridade abissal e da absoluta falta de criatividade, as atuais se acham superiores. E quando pensam não passam do próprio umbigo. O retrocesso é o único “avanço” almejado. Embora ajam paquidermicamente como os donos do mundo, não conseguem nem mesmo ter narrativas diferentes. Dizer que tudo vai mudar para melhor todos já disseram. E nada mudou.

Para os patriotas de araque, se insurgir contra as barbaridades sugeridas ou produzidas pela turma da filosofia ariana do Adolf Hitler do Cerrado é ser contrário ao Brasil, consequentemente um comuna a ser combatido. Para eles, tudo é normal, inclusive o líder agir no limite da delinquência, comprometendo a integridade de três autoridades e a da nação. Mais do que desqualificar as instituições brasileiras no exterior, nossas desqualificadas autoridades literalmente incendiaram o país. São as mesmas que, para “mudar” o Brasil que eles mudaram, queriam depor um governante eleito democraticamente.

Puseram fogo em alguns dos nossos biomas e por pouco não depredaram o meio ambiente, um princípio vital para o ser vivo. Eles não pensavam assim. É nesse sentido que entendo ser fundamental enterrarmos de vez os fantasmas que, de vez em quando, aparecem para infernizar a vida da gente. Mais uma vez reitero a necessidade de o Brasil esquecer o retrocesso e se reinventar. Seja à direita ou à esquerda, temos de seguir adiante, ganhar impulso e, para isso, precisamos da reconciliação com a história, com a memória. Pelo menos precisamos tentar esquecer os que só pensam neles. É prioridade zero um salto para o futuro. Se vai acontecer ou não, isso é outra narrativa.

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Sonja Tavares é Editora de Política de Notibras

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