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Carta Aberta ao senador Flávio Bolsonaro, nosso novo Silvério dos Reis

Senador Flávio Bolsonaro,

Escrevo-lhe não como eleitor (Deus me livre e guarde), mas como brasileiro. Desses que ainda conserva algum amor próprio e um bocado de vergonha na cara — duas virtudes que, a julgar por sua última proeza verbal, o senhor parece ter leiloado em alguma feira de vaidades nos arredores do QG do Exército, aí em Brasília.

Soube — e quase tive uma síncope — de sua proposta de “troca diplomática”, perdoando os golpistas do 8 de janeiro, incluindo seu pai (aquele que andava de chinelo na Disney enquanto vândalos rasgavam a Constituição com as próprias garras), em nome de aliviar a taxação imposta pelo seu amigo de whisky e complô, o presidente-maluco Donald Trump.

Confesso que a manifestação me causou não apenas repulsa, mas também surpresa. Até aqui, eu — em um raro momento de concessão —, o tinha como o menos intempestivo de todo o clã bolsonarista. Um homem que, ainda que filhote da mesma ninhada, tentava ladrar com algum verniz civilizatório. Mas agora o vejo lançar mão da mesma lógica torta que permeia o bolsonarismo raiz. O senhor entende erroneamente que tudo é negociável, até mesmo a alma da República.

Quer dizer então, Senador, que sua ideia de patriotismo passa por uma anistia política a criminosos em troca de alívio alfandegário? Que amor pela pátria é esse que vale menos que a carne bovina exportada e mais que a democracia apedrejada? O senhor, que se diz “filho de capitão”, age como neto de entreguista. Diria até que pior, como a reencarnação cínica de Joaquim Silvério dos Reis, aquele traidor de botinas que entregou Tiradentes em troca de uma mesada da Coroa Portuguesa.

O senhor, Senador, ousa vender o Brasil em suaves prestações. É um escárnio pensar em seu plano recheado de um pedaço da moral pública aqui, um fiapo de soberania acolá, tudo embrulhado no celofane do cinismo legislativo. Pede clemência para golpistas como quem barganha pão velho na feira. E o faz com a desenvoltura típica de quem não teme a História — talvez por desconhecê-la, ou por saber que há sempre uma parte dela disposta a esquecer, desde que bem paga.

Sua “proposta”, se é que merece tal título, é um tapa na cara do povo que viu a Praça dos Três Poderes virar palco de uma ópera bufa orquestrada por fanáticos e financiada, em parte, por gente próxima ao seu sobrenome. A anistia que propõe seria o selo oficial da impunidade; a rendição definitiva das instituições à chantagem de uma minoria histérica.

Sim, Senador, sua ideia é infame. É indigna. É, sobretudo, perigosamente anti-brasileira.

Mas talvez o senhor já saiba disso. Talvez o senhor até se orgulhe — como quem pisca o olho à História e diz “aqui estou, pronto para vender minha pátria, desde que me livrem a família e me soltem os dólares”.

Se Joaquim Silvério trocou Tiradentes por moedas, o senhor deseja trocar o Estado de Direito por isenção tarifária. O nome disso é traição. E nem mesmo o silêncio dos cúmplices há de apagar.

Assino esta carta como cidadão, mas poderia assiná-la como um espelho. Porque cedo ou tarde, Senador, a História haverá de lhe olhar de volta — e, quando isso acontecer, espero que o senhor tenha ao menos o pudor de desviar os olhos.

Com o meu mais profundo desprezo patriótico,

José Seabra
Diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras

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