Por muito tempo, o semiárido nordestino foi visto apenas como um espaço de seca e pobreza. No Ceará, a estiagem marcava não só o clima, mas também o imaginário coletivo: cidades abandonadas, migração em massa e dependência de políticas assistencialistas. Hoje, esse cenário começa a mudar. O estado se tornou referência nacional em projetos de convivência com o semiárido, transformando desafios históricos em oportunidades de desenvolvimento sustentável.
Até poucas décadas atrás, a política dominante era o chamado “combate à seca”, baseado em grandes obras hídricas e ações emergenciais, como a distribuição de carros-pipa. Essa estratégia, embora necessária em situações extremas, não garantia autonomia às populações sertanejas. “Era um modelo que tratava o sertanejo apenas como vítima, não como protagonista da sua própria história”, explica um pesquisador de políticas públicas.
A virada de chave aconteceu com programas de tecnologias sociais adaptadas ao semiárido, como as cisternas de placas para armazenamento de água da chuva. Simples e baratas, elas garantem água potável durante meses, mudando a rotina de famílias que antes precisavam caminhar quilômetros em busca de um balde d’água. Estima-se que mais de 350 mil cisternas já estejam instaladas em todo o Ceará.
Se a seca limita a agricultura, o vento virou fonte de riqueza. O Ceará lidera o ranking nacional de geração de energia eólica, com parques instalados tanto no litoral quanto no sertão. Segundo dados do setor, a matriz eólica já responde por mais de 40% da energia consumida no estado. Além de contribuir para a transição energética do Brasil, os parques atraem investimentos internacionais e geram empregos locais.
“Hoje, comunidades que viviam isoladas passaram a ter renda com a chegada das empresas do setor eólico. É um impacto positivo que se soma às políticas de convivência com o clima”, comenta uma economista especializada em desenvolvimento regional.
Outro campo em transformação é a agricultura familiar. Técnicas de agroecologia e o uso de sementes crioulas — variedades tradicionais mais resistentes à seca — permitem que pequenos produtores mantenham suas plantações mesmo em períodos de estiagem prolongada. Com apoio de cooperativas e feiras regionais, esses agricultores não apenas garantem o sustento da família, mas também movimentam a economia local.
A convivência com o semiárido não é apenas uma questão de infraestrutura, mas também de identidade cultural. O sertanejo desenvolveu, ao longo de séculos, saberes próprios de manejo da terra, preservação da água e organização comunitária. Essa herança imaterial hoje é reconhecida como parte da solução. “O conhecimento local, quando valorizado, se integra às novas tecnologias e gera resultados muito mais sólidos”, destaca um antropólogo ouvido pela reportagem.
Especialistas defendem que o exemplo do Ceará pode servir de inspiração para regiões áridas de outros países. Ao invés de lutar contra a natureza, a estratégia é aprender a viver com ela, buscando equilíbrio entre desenvolvimento econômico, inclusão social e sustentabilidade.
No coração do semiárido, o Ceará mostra que resistir não significa apenas sobreviver, mas reinventar-se. Onde antes havia apenas a marca da seca, hoje surge um novo horizonte: o da convivência inteligente com o clima, capaz de transformar dificuldades em potência.
