Durante décadas, o perfil de boa parte dos políticos era “emprestar” apoio político ao presidente eleito. Na prática, o “empréstimo” significava votar a favor do governo e, em troca, receber benesses das mais variadas, com destaque para a farta distribuição de cargos em ministérios, estatais etc. O clientelismo foi apelidado pelo então deputado Roberto Cardoso Alves (SP) de “toma lá, dá cá”. Um dos articuladores do Centrão, em 1988, o advogado e fazendeiro “Cardosão” não se envergonhava de dizer publicamente durante a Assembleia Nacional Constituinte que “É dando que se recebe”.
Nascido nas trevas do fisiologismo dos setores mais reacionários do Congresso Nacional, o Centrão atua abertamente contra o Estado brasileiro, sabidamente se movimentando furtivamente na direção do Orçamento da União. Como organização que raramente se apega às leis e à ética, o Centrão se mantém até hoje, sempre transformando os governantes em vítimas. Seus membros querem mamar em tetas fartas, mas não ajudam a engordar a vaca. A vítima da vez atende por Luiz Inácio da Silva, que em tempos remotos apelidou os integrantes do grupo de “picaretas”. A diferença do período de Sarney para os de Lula, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro é a mudança de hábito.
Antes, a extorsão e o achaque eram menos acintosos, isto é, supostamente escondidos. Hoje, suas excelências só não empunham as armas em plenário por razões que a própria razão desconhece. Se vivo fosse, Roberto Cardoso Alves certamente seria chamado pelos pares da direita de pastor evangélico em início de carreira, aquele que realmente prega em nome de Jesus. Símbolo da tragédia política inventada pela extrema-direita, o Centrão tem atualmente líderes muito mais espertos do que “Cardosão”, que, mesmo sem ética alguma, contribuía com o governo que lhe distribuía vantagens.
Que o digam os deputados Arthur Lira (PP-AL) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), os senadores Ciro Nogueira (PI) e Davi Alcolumbre (União-AP) e os ex-deputados Rodrigo Maia e Eduardo Cunha, ambos do Rio de Janeiro. Eles querem o caminho do ouro, mas nem sempre topam colaborar. Com tamanha expertise na arte de se dependurar no poder, os managers do Centrão são capazes de, conforme o mandatário, assumir de fato e de direito o comando do país. Foi assim no segundo mandato de Dilma, foi assim durante todo o governo Bolsonaro e eles esperavam que fosse assim depois que o presidente Lula começou a claudicar no Palácio do Planalto.
Com a força teoricamente recuperada, Lula começou a varrer para debaixo do tapete enlameado do Centrão todos os apaniguados do grupo parlamentar. A ordem é simples. Consideradas legendas conservadoras e, às vezes, reacionárias, União Brasil, PP, MDB, PSD e Republicanos dispunham de cerca de 380 indicados espalhados pelos ministérios do presidente petista. Tinham os cargos, mas sistematicamente votavam contra a gestão do PT. Vale registrar que esse levantamento não inclui as indicações de pessoas sem filiação partidária, mas obviamente com vinculação a um dos chefes da facção de direita. Ao contrário do toma lá, dá cá de “Cardosão”, o Centrão de 2025 topava somente o dá cá.
Além do “É dando que se recebe”, resolveram criar o esquema do primeiro eu, segundo nós, sempre nós e, quando der, eles. Por isso, na última sexta-feira (10), após esses partidos trabalharem pela derrubada da MP do aumento de impostos para bets e investimentos, o governo decidiu mandar todos de volta para casa. Antes de mandar a lista para o Diário Oficial da União, Lula deve ter pensado com seus botões: Peguei o porco, dei banho, mas, no fim, ele voltou para a lama, porque lá é o lugar dele. É claro que o pensamento não foi sobre porcos. Quem não sabe o que quer, perde o que tem. Sobre o Centrão, tem gente que só vem a esse mundo para ocupar espaço. A moral é simples: Se não sabem servir, não podem se servir.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978
