Entre os direitos e os deveres, deve estar o respeito à Justiça, teoricamente o fórum capaz de evitar dois pesos e duas medidas. Independentemente de que sejam “patriotas” ou “meliantes” de esquerda, todos têm direito, mas também deveres. Fugir desse princípio básico, significa viver em uma sociedade fragilizada. Desculpem a repetição, mas, na prática, só tem o direito de reivindicar seus direitos aquele que não ultrapassa o direito dos outros. Não é assim com a turma que se acha superior e que atua como carrasco daqueles que, aos olhos da soberba, são inferiores. Somos todos iguais, desde que pensemos iguais.
Não é o caso dos seguidores do bolsonarismo. Imaginemos uma situação diferente da que eles pensaram para o dia 8 de janeiro de 2023. Nessa data, os bons e acima de qualquer suspeita quebraram as sedes dos Três Poderes e vandalizaram a República e seus símbolos. Agiram como terroristas somente porque perderam a eleição para um cidadão a quem se acostumaram a rotular de ladrão, corrupto e bandido. Tudo sob o olhar condescendente e convivente de um homem que cagou solenemente para a democracia que tanto diz prezar. Por isso, estão todos – ou quase todos – no banco dos réus. A peleja recomeça amanhã (21) no Supremo Tribunal Federal
Se os “patriotas” tivessem dado o golpe, os que se opuseram às ordens malucas de um suposto mito estariam encarcerados ou mortos. Os que tivessem a sorte de permanecer vivos não teriam a complacência que os golpistas ora exigem para os seus. Sem nenhuma preocupação com o ódio daqueles que nunca tiveram amor no coração, não tenho dúvida de que lidamos com pessoas absolutamente hipócritas. São aquelas que cobram do próximo atitudes e posturas que elas próprias não têm. Aplicam aos demais padrões que se recusam a aceitar para si mesmos. É assim o mundo que desejavam: eles e os outros.
Mesmo sabendo que os dissimulados jamais perdoariam, na vida, até prova em contrário, todos têm direito ao perdão, inclusive os enganadores, sonsos, mentirosos e fingidos. São eles que mais cobram a aplicação dos dois pesos e das duas medidas. A partir da obviedade de que, no mundo dos fariseus, os sinceros normalmente são os maus da fita, essa máxima tem de ser mudada antes que só os justos sejam condenados. Os hipócritas dirão que não, mas no dia a dia dos dois Brasis, haverá sempre dois pesos e duas medidas para eles e somente uma para os outros. Às vezes, nem uma.
Como mais uma das estratégias para salvar Jair Bolsonaro da forca, os “patriotas” resolveram acusar Alexandre de Moraes de desalmado e desumano. Tudo porque condenou uma cabeleireira que vandalizou a estátua da Justiça. O argumento maior é que, presa, ela estaria impossibilitada de cuidar de dois filhos menores. Razoável do ponto de vista da humanidade. Derrubável se considerarmos que a moça não se preocupou com os filhos quando saiu de sua cidade para se insurgir contra a democracia em Brasília. Com um pouco mais de tempo, talvez fizesse com a estátua o mesmo que seu colega de terror fez com o relógio doado pela Corte Francesa a dom João VI.
Oportunista, o apelo teve efeito, mas, acredito, somente até o fim do julgamento, quando, mesmo com redução da pena, ela será condenada e presa. Ou seja, se não fugir, a domiciliar tem prazo de validade. O mesmo apelo vem sendo feito por um vândalo que fugiu para a Argentina, onde acabou preso. Motoboy, casado e pais de duas crianças pequenas, o sujeito alega que a mulher e os filhos têm uma doença rara chamada de “ossos de vidro”. Imagino que seus familiares já tinham a doença na época do ataque à República. Outro que deu azar. A exemplo dos demais “patriotas”, tanto a cabeleireira quanto o motoboy devem estar morrendo de saudades do tempo em que a Justiça era cega. Hoje ela é ágil, justa, democrática e careca. Botem as barbas de molho.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978
