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Comunidades em alerta sobre notícias fake

Em meio ao bombardeio de desinformação sobre o novo coronavírus, que causa a covid-19, organizações comunitárias se esforçam para levar informações confiáveis às favelas e adaptadas à realidade dos moradores das áreas mais pobres da cidade.

Uma delas é o Observatório de Favelas, que iniciou em março uma campanha de comunicação pautando o enfrentamento do coronavírus a partir de uma perspectiva de moradores de favelas e periferias. Segundo a diretora da organização, Isabela Souza, a mídia hegemônica e a comunicação oficial dos órgãos de governo ignoram as enormes desigualdades existentes no país.

“Falar simplesmente lavar as mãos não sei quantas vezes ao dia ou usar álcool em gel, desconsiderando que uma parte significativa da população brasileira não tem acesso regular a água, saneamento básico, não tem grana para comprar álcool em gel. Então o nosso desafio com os especialistas é pensar como a gente pode propor, a partir da perspectiva dos moradores de favelas e periferias, pensando as suas especificidades e lidando efetivamente com as desigualdades colocadas”.

Os conteúdos temáticos produzidos pelo Observatório de Favelas são em formato de memes, áudios e vídeos para serem disseminados pelo aplicativo WhatsApp. Isabela explica que todo o material está disponível na internet.

“Apesar de a gente estar no Rio de Janeiro e nossa sede ser na Maré, a campanha é para que outras organizações e pessoas do Brasil inteiro possam utilizar os materiais. A pasta dos conteúdos é pública, para quem quiser utilizar o material pronto ou se inspirar e adaptar os conteúdos para a sua realidade local”.

Também na Maré, a organização Redes da Maré organizou o projeto De olho no Corona! para atender os moradores das 16 favelas do complexo, como explica a coordenadora do trabalho, Lidiane Malanquini.

“A Redes da Maré trabalha há mais de 20 anos na Maré, pensando em como a gente amplia direitos e pressiona o estado por políticas mais estruturantes. Nesse momento de pandemia a gente criou o De Olho no Corona que é uma central de atendimento aos moradores, para orientar ações de acesso a direito, mas também uma forma dos moradores denunciarem as dificuldades de acesso a políticas públicas nesse período”.

Outra iniciativa que disponibiliza conteúdos de comunicação sobre a covid-19 voltada para as comunidades é a campanha multimídia Se Liga no Corona!, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com instituições que atuam nas favelas. O conteúdo com chancela científica da instituição de pesquisa está disponível para ser baixado no site da fundação.

Aplicativo
O jornal Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão, lançou um aplicativo para divulgar informações sobre a pandemia, disponível para os sistemas Android e iOS. A iniciativa, em parceria com o Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, pretende ser uma fonte confiável para os moradores acessarem informações sobre o novo coronavírus.

Ele traz notícias e verificação de boatos ou notícias falsas disseminadas pelas redes sociais. Segundo o fundador do Voz das Comunidades, René Silva, os comunicadores populares identificaram uma grande circulação de informações falsas nas favelas.

“A gente está aqui com esse desafio muito grande, que é combater a desinformação. Enquanto nos grupos de whats’app circulam essas notícias falsas, a gente precisa de alguma forma mostrar, através do aplicativo, o que é verdadeiro e o que é falso, para que as pessoas compartilhem as notícias verdadeiras”.

Segundo ele, o jornal, que vai completar 15 anos em agosto, tem credibilidade junto aos moradores como fonte de informação confiável.

“A primeira notícia falsa que a gente viu foi que favelado não pegava esse vírus, que era vírus de rico, que não chegava na favela, que a gente não pegava porque já vive numa situação precária de falta de saneamento básico, de falta de acesso à água e as pessoas achavam que aqui não era possível pegar esse vírus. Mas muito pelo contrário, tem muita gente pegando e muitos óbitos acontecendo”.

Em apenas três dias, já foram feitos 8 mil downloads do aplicativo Voz das Comunidades a expectativa é que ele seja instalado por 30 mil moradores de pelo menos 20 favelas do Rio de Janeiro.

Solidariedade e isolamento
Em meio à pandemia de covid-19, muitas famílias que vivem em favelas e periferias passaram a depender da solidariedade para sobreviver. Muitos trabalhadores informais e autônomos, sem acesso a uma fonte de renda, dependem, no momento, de organizações que se mobilizam para levar o básico a elas.

O diretor da Central Única das Favelas (Cufa), Celso Ataíde, explica que a entidade conseguiu mobilizar R$ 70 milhões, com cerca de 8 mil toneladas de alimentos, que foram distribuídos nas 5 mil favelas em que atuam no Brasil, sendo 250 em São Paulo, 250 no Rio de Janeiro e cerca de 150 em cada estado. Através de parcerias, a Cufa conseguiu a doação de 300 toneladas de frango e 38 mil botijões de gás.

“A nossa contribuição nesse primeiro momento, são momentos de grande tensão, é quando a gente descobre que vai faltar comida na casa das pessoas, vai faltar trabalho, vai faltar renda. E a ação emergencial mais expressiva que a gente entende nesse momento é aquela que mata as pessoas rápido, que é a fome”, diz Ataíde.

Ele explica que a Cufa busca também oferecer renda e autonomia para as mulheres cadastradas pela entidade, por meio do movimento Mães da Favela, pois são a parcela mais vulnerável da população e as que estão sofrendo mais os impactos negativos dos desdobramentos do coronavírus.

“A gente criou a cesta digital, no valor de R$ 240 ou R$ 120. Uma cesta básica não tem absorvente, não tem botijão de gás, não tem pasta de dente, não tem remédio. Ela que tem que fazer essa gestão e avaliar o que ela está precisando mais no momento. Esse julgamento quem vai fazer é ela, então a gente transfere renda. Já alcançamos 80 mil mães, conseguindo captar R$ 11 milhões para esse objetivo, no país inteiro”.

Condições críticas
O médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz Paulo Buss lembra que as condições de moradia nas favelas e periferias das grandes cidades favorece à proliferação da covid-19, já que as aglomerações são inevitáveis e falta o básico de saneamento.

“O que se está assistindo nas grandes cidades brasileiras é o crescimento geométrico dos casos nas favelas ou periferias. São situações territoriais muito parecidas, é uma quantidade grande de casas em espaços pequenos, casas sem qualidade para uma vida digna, com muita gente em cada casa ou barraco, o que torna a taxa de convívio social muito elevada. A água chega de forma muito intermitente, o esgoto em um grande número de favelas é a céu aberto”.

Ele lembra que pesquisas já detectaram a presença do coronavírus no esgoto. Buss afirma também que já há relatos de mortes ocorrendo dentro das casas, porque as pessoas não conseguem chegar ao hospital.

“A gente já tem relatos de muitas mortes na própria casa dessas comunidades mais pobres e de pessoas ficarem com seus defuntos um, dois dias em casa, porque não tem como descer com o cadáver. É uma situação muito difícil, complexa, e é o que está botando fogo nessa curva de mortes no Brasil, ela tem ocorrido com muita intensidade nessas regiões mais pobres das cidades grandes e médias”.

O sanitarista defende o bloqueio total da cidade, o chamado lockdown, com a intervenção do poder público para que as famílias consigam passar por esta fase.

“Não tem como as pessoas ficarem em casa, porque são pessoas muito pobres, então se você não chegar com alimentos, produtos de higiene, o básico para a sobrevivência, as pessoas vão ter que sair e vão se contaminar, porque na própria situação ambiental em que eles vivem é muito favorável para a contaminação”.

Bloqueio total
O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Wallace Pereira, diz que a situação na favela da zona sul está muito precária, com muita gente sem renda e dependendo de doações. Apesar disso, ele tem trabalhado na comunidade para manter o comércio fechado e o isolamento social na comunidade, que está em primeiro lugar entre as favelas do Rio de Janeiro no número de contaminações e mortes por covid-19.

“Ontem fizemos uma ação onde pedimos encarecidamente aos comerciantes que vendem sandália, roupa, brinco, capa de celular, que não abram, porque não há necessidade. A necessidade hoje que é previsto em abrir é a farmácia e supermercado. Muitos aderiram à ideia, concordaram em fechar. Esperamos que isso venha a dar um impacto positivo. Porque a cada dia que passa morre um, dois, e tudo nossos conhecidos, nossos vizinhos, nossos parentes”.

A ação na Rocinha contou com as equipes de fiscalização da prefeitura. Desde abril, foram fechados mais de 800 estabelecimentos na favela. Os vendedores ambulantes são orientados a desocupar o espaço público. A multa diária pelo descumprimento é de R$ 891,59 e o estabelecimento pode ser interditados e até ter a licença cassada em caso de desobediência.

No Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, as organizações Mulheres do Alemão em Ação, Coletivo Papo Reto e Voz das Comunidades montaram um gabinete de crise para coordenar as ações no território. Segundo o fundador do Voz, René Silva, os comerciantes estão respeitando o isolamento social.

“Desde segunda-feira a gente tem mais de 90% do comércio fechado, só está aberto mercado, farmácia, açougue, padaria. Só o essencial que está aberto hoje. O que a gente tem observado é que outros problemas já estão acontecendo, pessoas sofrendo por causa de fome, porque não tem comida em casa, foram demitidas de seus trabalhos”.

A diretora do Observatório de Favelas, Isabela Souza, defende o lockdown como uma forma de preservar os próprios moradores das comunidades, já que o vírus chegou ao país por meio de pessoas ricas que fizeram viagens internacionais e depois circulou para as periferias e região metropolitana com os trabalhadores.

“Tem um desafio coletivo, muitas pessoas seguem trabalhando para dar conta do ritmo e das demandas da cidade. Em geral, são essas pessoas que precisam do sistema de saúde público, que já está colapsado, e também que vivem nas áreas que têm menos serviços de saúde pública. De onde eu olho, de pessoa de origem circular e que está circulando na favela de alguma forma nesse momento, é que esse lockdown pode ajudar muito na circulação de pessoas da favela na cidade”.

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