Notibras

Cuba em três pontos. O que pode dar fim ao castrismo?

Havana, capital, e outras cidades da paradisíaca (aos olhos de muita gente) ilha caribenha estão literalmente em pé de guerra. Desde o final de semana, com idas e vindas, milhares de cubanos saem às ruas no que já é considerado o maior protesto da história recente  de Cuba.

Pela primeira vez em mais de 60 anos, pessoas se manifestaram em cerca de 20 vilarejos e cidades gritando “liberdade” e “abaixo a ditadura”. Com a propagação das manifestações, o presidente do país, Miguel Díaz-Canel, fez um pronunciamento na TV para convocar seus apoiadores a tomarem as ruas para “confrontar” os manifestantes.

“A ordem de combate está dada: os revolucionários devem ir para as ruas”, disse ele, que atribuiu a atual crise que atravessa a ilha ao embargo dos Estados Unidos e às medidas do governo Donald Trump.

Os protestos começaram na cidade de San Antonio de los Baños, no sudoeste de Havana e, desde então, se espalharam por todo o país.

“Isso é pela liberdade do povo, não aguentamos mais. Não temos medo. Queremos uma mudança, não queremos mais ditadura”, disse, por telefone, um manifestante em San Antonio à BBC News Mundo, serviço de notícias da BBC em espanhol.

Segundo Alejandro, que participou do protesto em Pinar del Río, o protesto em sua província começou depois de as pessoas verem o que estava acontecendo em San Antonio de los Baños por meio das redes sociais.

“Vimos o protesto nas redes e começou a sair gente. Hoje é o dia, não aguentamos mais”, disse o jovem por telefone.

“Não há comida, não há remédio, não há liberdade. Eles não nos deixam viver. Já estamos cansados”, acrescentou.

A BBC News Mundo entrou em contato com o Centro de Imprensa Internacional, única instituição governamental autorizada a dar declarações à imprensa estrangeira, para saber a posição do governo cubano, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.

Os protestos deste domingo (11/7), que foram duramente reprimidos, de acordo com vários vídeos e relatos nas redes sociais, são um evento extremamente incomum em uma ilha onde a oposição ao governo não é permitida.

Como, então, explicar que milhares de cubanos tenham saído às ruas por toda a ilha?

Há três pontos chave para entender esta crise.

1. A crise do coronavírus
Os protestos na ilha parecem ser resultado de esgotamento acumulado da população. Esse esgotamento aumentou nos últimos meses com uma das maiores crises econômicas e de saúde que a ilha viveu desde o chamado “período especial” (a crise no início dos anos 1990 após o colapso da União Soviética).

O gatilho para a situação atual parece ser, de fato, um misto da gravidade da situação da pandemia de coronavírus e as medidas econômicas do governo que têm dificultado cada vez mais a vida em Cuba.

A ilha manteve a pandemia sob controle nos primeiros meses de 2020, mas houve um recrudescimento de casos nas últimas semanas que a levou a estar entre os locais com mais casos registrados em relação à população na América Latina.

Somente no domingo, a ilha registrou oficialmente 6.750 casos e 31 mortes, embora vários grupos de oposição denunciem que os números não refletem a situação real e que muitas mortes por covid-19 são atribuídas a outras causas.

Durante a última semana, o país quebrou seus recordes diários de infecções e mortes, o que levou, segundo relatórios, ao colapso de vários centros de saúde.

A BBC News Mundo falou nos dias anteriores com vários cubanos que afirmaram que seus parentes morreram em casa sem receber atendimento médico ou em hospitais por falta de remédios.

É o caso de Lisveilis Echenique, que disse que seu irmão, de 35 anos, morreu em casa porque não havia lugar para ele em hospitais, ou de Lenier Miguel Pérez, que afirma que sua mulher grávida morreu pelo o que ele considera “negligência médica”.

Casos como estes começaram a se multiplicar nas redes sociais nos últimos dias e, durante o fim de semana, viralizaram hashtags como #SOSCuba e #SOSMatanzas, solicitando ajuda internacional e uma “intervenção humanitária” diante da situação crítica com o coronavírus na ilha.

Milhares de cubanos aderiram à iniciativa, enquanto vários vídeos de hospitais superlotados circularam na internet.

Em seu pronunciamento à nação, o presidente cubano considerou que a situação atual é igual à de outros países e que chegou tarde a Cuba porque antes o governo havia conseguido controlar o vírus.

Também destacou que Cuba produziu suas próprias vacinas contra o coronavírus, embora a administração das doses ainda seja limitada na maioria das províncias.

2. A situação econômica
O coronavírus teve um profundo impacto na vida econômica e social da ilha. O turismo, um dos motores da economia cubana, está praticamente paralisado. Além disso, há inflação crescente, apagões, escassez de alimentos, medicamentos e produtos básicos.

No início do ano, o governo propôs um novo pacote de reformas econômicas que, ao aumentar os salários, fez disparar os preços. Economistas como Pavel Vidal, da Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia, estimam que podem subir entre 500% e 900% nos próximos meses.

Dada a falta de liquidez em moeda estrangeira, o governo promoveu desde o ano passado a criação de lojas onde só se pode comprar com contas em moedas livremente conversíveis (MLC). Alimentos e bens de primeira necessidade são vendidos em moedas nas quais a população não recebe seu salário.

A pandemia também foi sinônimo de longas filas para os cubanos comprarem produtos como óleo, sabonetes ou frango, e cortes de energia tornaram-se cada vez mais frequentes.

Os medicamentos básicos tornaram-se escassos tanto nas farmácias como nos hospitais, e em muitas províncias houve a venda de pão à base de abóbora por falta de farinha de trigo.

Os cubanos entrevistados na semana passada pela BBC News Mundo afirmam que em alguns centros médicos não há nem aspirinas para reduzir a febre. Enquanto isso, também houve surtos de sarna e outras doenças infecciosas na ilha.

No mês passado, o governo decidiu deixar de aceitar “temporariamente” dólares à vista, principal moeda que os cubanos recebem nas remessas, medida que é vista pelos economistas como a mais restritiva imposta à divisa americana desde que foi penalizada pelo governo de Fidel Castro.

O governo cubano atribui a atual situação econômica ao embargo dos Estados Unidos.

Em seu pronunciamento, Díaz-Canel assegurou que este é “o principal problema que ameaça a saúde e o desenvolvimento de nosso povo”.

3. Acesso à internet
Antes deste domingo, o maior protesto ocorrido em Cuba após o início da revolução de Fidel Castro, de 1959, havia acontecido em agosto de 1994 em frente ao Malecón de Havana.

Cubanos em outras províncias nem sabiam o que havia acontecido na capital.

Quase 30 anos depois do que ficou conhecido como “Maleconazo”, o cenário é muito diferente: se no governo de Fidel Castro o acesso à internet na ilha era restrito, seu irmão e sucessor, Raúl Castro, deu passos inaugurais que levaram a uma maior conectividade.

Desde então, os cubanos têm utilizado as redes sociais para denunciar seu incômodo com o governo a tal ponto de, em muitas ocasiões, as autoridades usarem seus meios de comunicação oficiais para emitir posicionamentos sobre tais comentários.

Hoje, grande parte da população, principalmente os jovens, tem acesso ao Facebook, Twitter e Instagram, que também são seus principais canais de informação sobre o discurso oficial da mídia estatal.

O acesso à internet também levou ao surgimento de vários meios de comunicação independentes que se debruçam sobre assuntos que geralmente não apareciam na mídia oficial.

E se tornaram o canal para que artistas, jornalistas e intelectuais reivindiquem seus direitos ou convoquem protestos.

Outra manifestação organizada por meio das redes sociais aconteceu em novembro passado depois que a polícia invadiu a casa de alguns jovens artistas em greve de fome.

E, agora, as redes sociais também foram o meio em que se espalhou a notícia do protesto de San Antonio no domingo (11), além de ter sido a ferramenta usada para organizar o protesto inicial.

O governo cubano garante que as redes sociais são utilizadas pelos “inimigos da revolução” para criar “estratégias de desestabilização” que seguem os manuais da CIA.

E embora para muitos os protestos fossem um tanto previsíveis, o que deve acontecer agora é incerto.

Cuba enfrenta um cenário sem precedentes de manifestações e repressão policial. Será preciso observar nos próximos dias como o governo — e os cubanos — vão reagir.

Sair da versão mobile