Notibras

Defensor de Jair foge para a terra do perdido Donald

Chamado às falas por um querido amigo que vive temporariamente em Washington, terei de, a contragosto, quebrar uma jura e voltar a lembrar do magnata amarelão Donald Trump, o ex-presidente norte-americano que deixou a Casa Branca pela porta dos fundos e ainda corre sério risco de ser merecidamente alijado da política dos Estados Unidos. A queixa tinha por objetivo tentar “reparação” por conta de alguns artigos publicados recentemente neste espaço, onde comparei a inércia, o despreparo, as grosserias e as “viagens” de Trump com as de Jair Bolsonaro. É o que penso.

Na crítica, virei “jornalista ou sei lá o que”. Faz parte. Estranhando minhas opiniões, disse o amigo que não entendia meu desapreço por Donald, avaliado por ele como “meio maluco”, mas “uma máquina geradora de emprego”, mesmo tendo enfrentado a pandemia. Disse ainda que Trump havia recuperado a autoestima dos americanos. Estranho é achar que não devo ter posição sobre esse ou aquele assunto. Ainda mais estranho é não lembrar que é obrigação de um presidente tomar decisões ou propor iniciativas que gerem emprego. Não fazer isso implica em crime de responsabilidade.

Sobre a autoestima, parece que a maioria do povo de lá não entendeu assim. Tanto que ele perdeu feio em todos os 50 estados dos EUA, notadamente naqueles considerados bases consolidadas do Partido Republicano. O feitiço acabou abatendo o próprio feiticeiro. Para encerrar o item Donald Trump, ele poderia ter sido o melhor dos 45 presidentes que os norte-americanos tiveram até Joe Biden, o 46º. Entretanto, passados 232 anos de votações e 58 mandatos (contadas as reeleições), perdeu o respeito e o apreço do mundo – os votos já havia perdido -, após ter estimulado e financiado milicianos na bestial invasão do Capitólio, um dos maiores símbolos da democracia do mundo.

A expressão popular pau que dá em Chico dá em Francisco lembra que a pancada levada pelo pai acaba sobrando para o filho ou vice-versa. A ordem é irrelevante. Por isso, nada mais natural do que o “pito” do amigo se estender a Jair Bolsonaro, a quem denomino de discípulo do mal (Donald Trump). Novamente apanhei sem razão. Fui acusado de desmemoriado por não lembrar do passado aguerrido do presidente brasileiro. Aguerrido? Lembro-me bem das vezes em que ele teve de se defender, no Conselho de Ética da Câmara, de acusações de homofobia e misoginia contra colegas parlamentares.

Pior na defesa do atual inquilino do Palácio do Planalto foi o velho companheiro afirmar que a gente – antigos repórteres do Congresso Nacional – sabe como Bolsonaro é, “mas deve entendê-lo porque um país que tem um Legislativo presidido por essas figuras e um Judiciário composto por essas pessoas não é sério”. Respondi que, nos dias atuais, a seriedade tem de começar pelo presidente. Não podemos esquecer o tipo de parlamentar que ele foi durante 28 anos. Sem pesquisar com muita cautela e com uma potente lupa, dificilmente encontraremos um projeto de sua autoria com alcance popular. Com relação ao Parlamento, não temos do que reclamar. Nós, incluindo ele (o amigo), os elegemos.

Disposto a continuar banalizando as críticas, o defensor sem recibo (?) de Trump e Bolsonaro também questionou o eleitorado brasileiro. Afirmando que queria apenas provocar uma discussão, disse que o povo votou em Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Gleisi Hoffmann, Baleia Rossi e Arthur Lira, além do próprio Bolsonaro, “mas não elegeu os presidentes da Câmara e do Senado e não escolheu Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski para o Supremo Tribunal Federal”. Ora, na condição de representantes do povo, em tese tudo que eles fazem é em nosso nome. Então, mais uma vez, não temos razão para reclamar.

Por fim, sobre ministros da Suprema Corte, aos quais nunca me referi, quem os indica? Quem elegemos para a Presidência, é claro. Ao fim e ao cabo, estamos presentes em tudo que há de bom ou ruim na vida pública do país. Pelé que o diga. Aguardemos, pois, em se tratando da instância máxima do Poder Judiciário, o pior ainda está por vir. Tudo indica que o próximo ministro do STF deverá ser um pastor evangélico. Já pensou? A se confirmar, finalmente o Supremo deixará de ser um reduto laico.

*Wenceslau Araújo é jornalista

Sair da versão mobile