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‘Ditadura nunca mais’ ecoa no Supremo como julgamento pedagógico

Em Portugal o dia 25 de abril é festejado com muita efusividade. Nesta data comemora-se a queda da ditadura fascista de António Salazar em 1974, regime que ficou mundialmente conhecido como Salazarismo. O principal objetivo destas comemorações é lembrar sempre aos portugueses que ditadura nunca mais. A liberdade e a democracia são valores inegociáveis. Após a derrubada da ditadura, nunca se falou em anistia aos criminosos daquele regime, e inúmeros responsáveis foram julgados e condenados, assim como aconteceu na Argentina após a queda da ditadura naquele país.

Dito isto façamos um corte para o Brasil de 2025. Iniciou-se no último dia 02 de setembro o julgamento do núcleo crucial da tentativa de golpe de estado ocorrida em 2022, cujo ápice foi a destruição das sedes dos três poderes da república em 08 de janeiro de 2023. Não se trata portanto, só do julgamento de Bolsonaro, pois neste núcleo crucial estão os líderes e planejadores da trama golpista, núcleo do qual faz parte o ex presidente.

O Brasil tem uma longa história de golpes e ditaduras, infelizmente. Porém, de todas, a ditadura civil-militar que vigorou de 1964 a 1985 foi a mais cruel, pelo infindável número de crimes cometidos contra o povo brasileiro. Perda da liberdade, prisões, torturas, assassinatos, desaparecimentos, censura e outros; e crime também no âmbito econômico, pois aquele regime abortou iniciativas de protagonismo nacional e justiça social em curso no governo de João Goulart e aplicou uma política econômica que privilegiou o capital, a remessa descarada de dinheiro para o exterior, o crescimento da concentração de terras nas mãos de poucos, o achatamento dos salários que contribuiu sobremaneira para a odiosa desigualdade social que até hoje perdura. Sem esquecer da herança maldita da dívida externa feita pelo regime militar, que causou a quebra do Brasil na década de 1980, após o fim da ditadura.

Diferentemente de Portugal e da Argentina, que realizou uma justiça de transição e julgou inúmeros responsáveis pelos crimes cometidos nas respectivas ditaduras, no Brasil se fez um acordo de elites em que todos os crimes cometidos pelos agentes daqueles governos ficaram impunes. Ou seja, houve uma anistia àqueles criminosos com o discurso de que o país precisava de pacificação. Porém aquela anistia jamais pacificou o país, tanto que até hoje há ainda inúmeros militares e civis saudosistas que defendem que as forças armadas são as fiadoras da democracia no Brasil e clamam por nova ditadura.

Houvesse tido processos e julgamentos de quem cometeu aqueles crimes, provavelmente a tentativa de golpe de 2022 jamais tivesse ocorrido. Aliás, é certo que figuras execráveis como Bolsonaro sequer existissem, até porque o referido cometeu crimes contra o próprio exército brasileiro, do qual fazia parte, e certamente teria sofrido o rigor da lei para criminosos que atentam contra a democracia e as liberdades e nunca teria a carreira política que teve.

Deste modo, o julgamento que ora ocorre no STF e que coloca no banco dos réus militares de alta patente como generais, pode e deve ser visto como uma expressão pedagógica de que não há ninguém acima da legislação brasileira. Independentemente do cargo que ocupa, qualquer pessoa que atenta contra o estado democrático de direito, e portanto contra a constituição brasileira, deve ser julgado e punido pelo crime cometido.

Embora tardiamente está sendo construída uma justiça de transição no Brasil, em que golpistas são julgados. E se condenados responderão pelos crimes. Corrige-se assim uma trajetória que deixou impunes golpistas desde a década de 1950 com anistias que nunca pacificaram o Brasil. Muito pelo contrário, instigaram, incentivaram e propiciaram novos e mais ousados golpes. Chegou o momento do basta. Anistia nunca mais.

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Antonio Eustáquio é correspondente de Notibras na Europa

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