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Energia do sol inaugura um novo capítulo para o Nordeste

Em meio a ruas estreitas e a história de resistência do Conjunto Palmeiras, periferia de Fortaleza conhecida por sua forte mobilização social desde os anos 1970, um novo marco acaba de nascer. Não é fruto apenas do sol escaldante do Ceará, mas da organização coletiva e da aposta em um futuro diferente: a usina solar comunitária PalmaSolar, primeira do tipo no estado e uma das pioneiras no Brasil, que alia sustentabilidade ambiental, economia solidária e justiça social.

A proposta é simples na essência e ousada na prática: gerar energia limpa dentro da comunidade, reduzir a conta de luz das famílias em mais de 50% e, ao mesmo tempo, fortalecer o comércio local por meio de um sistema de moeda social. Mais do que um projeto de tecnologia, trata-se de uma experiência de transformação social, conduzida pelos próprios moradores.

O sistema instalado no bairro é composto por painéis fotovoltaicos capazes de gerar energia para abastecer dezenas de residências. A produção excedente é injetada na rede elétrica, e os créditos de energia são revertidos para as famílias cadastradas.

Mas o diferencial vai além do benefício direto na conta de luz. Parte da economia gerada retorna em forma de moeda social digital, que pode ser utilizada em padarias, mercadinhos, farmácias e outros empreendimentos locais. Assim, o dinheiro não “escapa” para grandes redes, mas circula dentro do próprio bairro.

“É um ciclo virtuoso: o sol gera energia, a energia gera economia, e a economia volta para fortalecer a comunidade”, explica o professor Paulo Moreira, do IFCE (Instituto Federal do Ceará), que apoia a iniciativa com assistência técnica e capacitação.

Benefícios concretos
•Alívio no bolso: moradores relatam que a expectativa é de reduzir em até 60% a fatura de energia, um dos maiores gastos mensais em muitas casas.

•Formação profissional: jovens do bairro estão sendo capacitados em instalação e manutenção de placas solares, abrindo portas para o mercado de trabalho.

•Sustentabilidade: o projeto contribui para diminuir emissões de carbono e incentivar a transição energética em áreas periféricas.

•Comércio fortalecido: a moeda social devolvida em cashback deve aquecer pequenos negócios, aumentando a renda local.

A escolha de instalar a PalmaSolar no Ceará não é por acaso. O Nordeste concentra 65% do potencial solar do Brasil, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). A radiação solar média na região é uma das mais altas do mundo, tornando o semiárido e áreas urbanas nordestinas um verdadeiro “ouro energético” ainda pouco explorado em benefício da população.

Nos últimos anos, a região tem se tornado um polo de investimentos em energia limpa, com grandes parques solares e eólicos. No entanto, como ressaltam especialistas, a transição energética só será justa se também incluir populações historicamente excluídas — como comunidades periféricas e rurais.

O entusiasmo não elimina os obstáculos. A manutenção da usina exige mão de obra especializada e financiamento constante. O marco regulatório da geração distribuída de energia também impõe burocracias que, em alguns casos, podem dificultar a expansão do modelo.

Há ainda o desafio da equidade: como garantir que os benefícios alcancem todas as famílias do bairro, sem privilégios ou exclusões? Para isso, a governança comunitária tem se mostrado essencial, com assembleias abertas e decisões coletivas.
“Se não for de todos, não é comunitário. E se não for comunitário, não é PalmaSolar”, resume Rafael Barbosa, jovem morador que participa da gestão.

Mais do que aliviar contas de energia, a usina comunitária inaugura um novo imaginário: o de que periferias podem ser protagonistas da transição energética. O PalmaSolar é visto como laboratório vivo de inovação social, em que o futuro não é apenas mais verde, mas também mais justo.

Para muitos moradores, acender a luz em casa agora traz outro significado: é a prova de que, quando o sol brilha, pode iluminar mais que telhados — pode iluminar também caminhos de autonomia, dignidade e cidadania.

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