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Esquerda e direita se unem para tirar Witzel

A votação simbólica que marcou o início formal das discussões sobre o processo de impeachment do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, na quarta-feira (10), foi um raro suspiro na polarização política ao unir polos opostos na Assembleia Legislativa fluminense.

Eleito no embalo de elogios rasgados ao então candidato Jair Bolsonaro e alvo de dura oposição de partidos de esquerda desde as eleições, o governador fluminense decidiu se descolar do presidente ao anunciar repetidas vezes intenção de se candidatar ao palácio do Planalto em 2022 — quando Bolsonaro tentará sua reeleição.

Após seguidas críticas ao presidente, a quem classificou como “desequilibrado” e “líder que não governa”, Witzel viu boa parte da base que construiu em sua curta carreira política se esvair.

Bolsonaristas, que se mantiveram em cargos no governo mesmo após a ruptura entre presidente e governador, passaram a articular o impeachment da Assembleia Legislativa.

A gota d’água foi a Operação Placebo, da Polícia Federal, que realizou buscas na residência oficial do governador e na sede do governo fluminense em 26 de maio.

Desdobramento das operações Mercadores do Caos e Favorito, deflagradas desde o início do mês, a ação apura a relação do governador e de sua esposa, Helena Witzel, com supostas fraudes e desvios em contratos de emergência sem licitação como resposta à pandemia do coronavírus.

Em nota, Witzel disse que respeita o processo e que tem certeza de sua inocência.

“Fui eleito tendo como pilar o combate à corrupção e não abandonei em nenhum momento essa bandeira. E é isso que, humildemente, irei demonstrar para as senhoras deputadas e senhores deputados”, afirmou.

‘Oposição de veraneio’
A aparente sintonia entre partidos com projetos opostos na busca por investigações contra Witzel se desfaz, no entanto, quando se discutem os objetivos por trás dos votos no processo de impeachment.

Para a deputada psolista Dani Monteiro, autora da lei que obrigou o governo Witzel a divulgar contratos emergenciais assinados durante a pandemia, políticos que até recentemente apoiavam o governador desembarcaram para fazer “oposição de conveniência” ou “de veraneio”.

“Aqueles que tinham cargos há até pouco tempo na administração agora estão votando contra. É público o desafeto entre Bolsonaro e Witzel, um desafeto que tem a ver com ego, porque ambos têm agendas sempre muito casadas desde as eleições”, afirmou, citando o discurso de apologia a violência policial comum aos dois políticos.

“A esquerda tem muita tranquilidade para a condução deste impeachment e não estamos de forma alguma atrelados à pauta deles. Quem mudou o discurso e prejudicou a própria retórica para torcer a própria posição não fomos nós, foram os bolsonaristas.”

Fotografado frequentemente ao lado do então candidato Witzel nas eleições, o hoje deputado federal Daniel Silveira diz que “se arrependeu”.

“Eu ajudei muito o Witzel e tenho um arrependimento, porque tinha muita esperança nele”, diz Silveira à BBC News Brasil por telefone.

“Mas política é assim, a gente não tem bola de cristal.”

‘Não quero matar comunista’
Em uma das imagens mais icônicas das eleições, Silveira foi aparece ao lado de Witzel e do hoje deputado estadual Rodrigo Amorim com uma placa quebrada exibindo o nome da vereadora Marielle Franco, executada junto ao motorista Anderson Gomes em março de 2018.

Marielle era uma das principais vozes a denunciar a violência policial e a atuação de milícias no Rio de Janeiro e sua morte, dois anos depois, ainda não foi totalmente esclarecida.

Originalmente policial militar do Rio de Janeiro, Silveira diz que o ex-aliado “perdeu a mão no diálogo político”.

“Minha avaliação é que ele não soube dialogar com a própria Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Ele assumiu quase uma postura de monarca e quis comprar brigas como se fosse um paladino”, diz.

“Infelizmente para ele e felizmente para os demais, a politica não funciona assim. Ele não atendeu nem a direita, nem a esquerda, e nem o centro”, afirma, defendendo que o governador deve ser afastado.

A deputada Monteiro, de outro lado, diz preferir esperar os resultados das investigações.

“Tem que ter muita cautela ao se afastar um chefe do Executivo e falo com muita tranquilidade porque sempre fui oposição ao governo Witzel. A gente não deve banalizar a ferramenta do impeachment, o Brasil paga muito caro pelo golpe institucional de 2016. É preciso ter responsabilidade com as armas que a democracia nos oferece.

Se ilícitos forem comprovados, que ele seja punido de acordo com a lei que rege o cargo dele”, avalia.

“O que nos diferencia bastante dos demais é que, além dos indícios de superfaturamento e corrupção na saúde, levantada por muitos parlamentares, nós colocamos como ponto central da inviabilidade do governador ocupar o cargo a questão da segurança pública”, prossegue a deputada.

“O que vemos é um verdadeiro genocídio, um extermínio de uma juventude humilde apenas por nascerem onde nasceram e serem como são. Não dá para uma pessoa que ocupa um cargo no Executivo, eleito pelo povo, ser seu principal algoz.”

Hoje vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Amorim, por sua vez, concentra as críticas no que descreve como uma perda de capacidade de conversar com vozes dissonantes por parte do governador.

“Sou totalmente conservador, mas não quero matar o comunista, por exemplo. Meu embate é no diálogo.”

Próximos passos
Confira a seguir o passo-a-passo do rito de impeachment na casa enviado pela assessoria de imprensa da Alerj — segundo o qual, nesta quarta-feira, caminhou-se da etapa 2 rumo à 3.

1 – O pedido é protocolado e segue para análise da Procuradoria da Alerj, que remete à Presidência caso ele preencha os requisitos legais;

2 – A Presidência analisa e decide se dá prosseguimento ou não ao processo;

3 – Caso positivo, sai publicado em Diário Oficial o ato do presidente da Alerj dando prazo de 48hs para que os partidos da Casa indiquem representantes para a Comissão Especial que irá analisar a admissibilidade da denúncia. Acusados são notificados para apresentarem defesa no prazo de 10 sessões, e denúncia é lida em plenário;

4 – Depois de indicados, os membros da Comissão Especial têm 48hs para se reunir e eleger relator e presidente;

5- A Comissão Especial emite parecer sobre a admissibilidade da denúncia em até 5 sessões, contadas a partir do recebimento da defesa ou do fim do prazo de 10 sessões para a defesa, caso ela não seja apresentada;

6 – O parecer da Comissão Especial é lido em plenário e, em seguida, é inserido na ordem do dia, ou seja, em pauta de votação e discussão;

7 – Os deputados, no limite máximo de cinco por partido, podem discutir o parecer pelo prazo máximo de 1 hora, sendo os questionamentos respondidos pelo relator. Encerrada a discussão – não necessariamente terminando no mesmo dia – será aberta a votação nominal;

8 – Caso os deputados decidam pelo recebimento da denúncia, por maioria absoluta, o acusado será afastado e será enviada a cópia do processo ao presidente do Tribunal de Justiça para a formação do tribunal misto responsável pelo julgamento final da questão.

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