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Extrema direita avança no Brasil e no mundo ditando norma do ódio

Hanna Arendt cunhou a expressão banalização do mal para dar conta do que irrompeu na Alemanha nazista nos anos Hitler, cuja ideologia racista fez quase toda uma nação considerar normal o extermínio do diferente, daquele que não é igual a mim. Como se sabe, embora haja os cínicos e mal-intencionados que digam o contrário, o nazismo é a pura expressão do quão perversa é a extrema direita.

Pois bem, a par da dificuldade gerada por um modelo econômico excludente que avassala o fosso entre os poucos que têm muita coisa e a imensa maioria que nada ou pouco têm, a extrema direita tem avançado nos corações e mentes de inúmeros cidadãos de todos os quadrantes do mundo ao imprimir no ideário do cidadão comum sofrido e espoliado diariamente, por meio de mentiras, que o diferente, aquele que não é igual a mim, é o culpado por isso. Assim, preconiza a exclusão e extermínio do diferente que é visto como ameaça, diferente este que pode ser o estrangeiro, as mulheres, a diversidade de gênero, etc, o que tem contribuído para a elevação preocupante dos crimes de ódio no mundo, cujos exemplos explodem na mídia e nas redes sociais todos os dias, em todos os cantos do planeta.

Para não me estender muito, vou me circunscrever a três episódios ocorridos apenas no dia 10 de junho em Lisboa, capital de Portugal, uma cidade que até há pouco se vangloriava de exibir um nível de segurança e tolerância invejáveis. Claro que a violência que se materializa no que o senso comum normalmente associa ao termo violência como furtos, roubos, assassinatos, estupros, brigas, agressões e outros não podem e não devem ser negligenciados, e o Estado deve agir com firmeza e inteligência para ir às suas raízes para mitigá-los, embora a banalização do mal também seja vetor do aumento deste tipo de violência.

Em um único dia, 10 de junho, dia em que, por ironia, se comemorava o Dia de Portugal, Lisboa assistiu a um imã (líder islâmico) ser hostilizado publicamente em uma cerimônia; assistiu também a um ator ser brutalmente agredido por um grupo neonazista na porta do teatro onde representaria naquela noite; e ainda um grupo de torcedores de um determinado time ser agredido e ter seu veículo queimado por torcedores de um time rival após uma derrota em uma partida de hóquei.

Portugal tem visto crescer exponencialmente um partido de extrema direita cujo discurso, a exemplo da extrema direita em toda a Europa, nos EUA e também no Brasil, abomina a cultura, a diversidade, o estrangeiro, o LGBTQIAP+, as mulheres, enfim, tudo o que caracteriza uma sociedade saudável e diversa que é a realidade da natureza humana, e que foi historicamente suprimida em nome de uma “falsa beleza” social propagada por um modelo rígido que sempre submeteu toda minoria ao domínio patriarcal e branco.

Nas últimas eleições em Portugal, o referido partido se tornou a segunda força do parlamento português, assim como o partido neonazista AfD na Alemanha. E concomitantemente com o crescimento deste partido, vê-se em Portugal o crescimento deste tipo de crime que caracteriza uma sociedade cindida, alimentada pelos algoritmos das big techs que direcionam as postagens de redes sociais com conteúdo de ódio, retroalimentando esta espiral.

Não há saída para Portugal, assim como não há saída para os EUA, nem para o Brasil, nem para nenhuma outra nação se este gravíssimo problema do espraiamento do discurso de ódio, do discurso nós contra eles, continuar a vicejar sem controle como defendem os próprios disseminadores e as gigantescas empresas de tecnologia que abrigam os endereços responsáveis pelo aprofundamento deste mal.

Uma sociedade saudável só se alcança com um grau elevado de civilidade, de fraternidade, de acolhimento e de amor, exatamente o contrário do que o discurso extremista de direita dissemina.

Em tempo, no momento em que finalizo este texto, jovens neonazistas atacaram voluntários que distribuíam alimentos a carentes na cidade do Porto, em Portugal. É o retrato acabado da intolerância, fermento primordial do ódio e arcabouço do discurso da extrema direita.

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Antônio Eustáquio é mestre em Políticas Públicas, graduado em Letras e possui ainda MBA em gestão financeira e gestão escolar. Foi dirigente sindical bancário em Brasília e professor da rede pública de ensino do DF.

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