Em Teresina, centenas de famílias em situação de vulnerabilidade esperam há meses — algumas, há mais de um ano — por benefícios sociais prometidos pela Prefeitura. O que era para ser um alívio em meio à pobreza tem se transformado em frustração e incerteza. Um relatório recente do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) revelou uma série de irregularidades na concessão e entrega de auxílios sociais, expondo falhas graves na gestão pública municipal.
A auditoria, realizada pela Diretoria de Fiscalização de Políticas Públicas (DFPP), analisou a execução de benefícios previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), como cestas básicas, auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-moradia.
Os resultados impressionam. De um total de R$ 5 milhões previstos para a compra e distribuição de cestas básicas, apenas cerca de 6% foram efetivamente pagos e entregues às famílias. Em 2024, somente 3,3% das cestas solicitadas chegaram ao destino. O auxílio-natalidade, destinado a mães em situação de vulnerabilidade, também registrou baixo desempenho: menos de um terço dos pedidos foram atendidos.
Entre as irregularidades mais graves está o auxílio-moradia, que, segundo a legislação, deveria ser concedido por até 12 meses. No entanto, o TCE-PI encontrou casos de famílias que recebem o benefício há mais de oito anos, sem qualquer reavaliação técnica ou vistoria das condições de moradia.
Essas falhas, segundo o relatório, abrem brechas para uso indevido de recursos públicos e comprometem a equidade do sistema — afinal, enquanto alguns recebem por longos períodos, outros seguem sem acesso ao auxílio.
A auditoria também apontou problemas de infraestrutura e pessoal nas unidades do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).
Há relatos de instalações em más condições, falta de veículos para realizar visitas domiciliares, especialmente em áreas rurais, e defasagem no número de assistentes sociais e psicólogos. Em muitos casos, os cadastros ainda são feitos manualmente, sem equipamentos eletrônicos adequados, o que retarda a inclusão das famílias no sistema e atrasa a liberação dos benefícios.
As consequências dessas falhas recaem sobre quem mais precisa. Em bairros da zona Sul e na região da Santa Maria da Codipi, famílias relataram que passaram meses sem receber a cesta básica prometida.
“Fiz o cadastro em março e até agora nada. Disseram que o caminhão viria, mas nunca chegou”, contou Maria das Dores, moradora do bairro Parque Piauí, mãe solo de três filhos.
Para ela, a espera é angustiante: “A gente conta com isso pra alimentar as crianças. Enquanto não chega, a gente se vira como pode”.
Histórias como a de Maria se repetem em diferentes zonas da capital, revelando um vazio entre a promessa institucional e a realidade nas comunidades.
Procurada, a Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi) reconheceu parte das falhas, mas afirmou que muitas das irregularidades vêm de gestões anteriores.
Segundo nota enviada à imprensa, a pasta está atualizando a legislação municipal dos benefícios eventuais, revisando contratos e tentando recompor as equipes técnicas. Também informou que pretende informatizar parte dos processos e realizar novas licitações para garantir regularidade nas entregas.
Em uma cidade onde quase 20% da população vive em situação de vulnerabilidade social, a falha na entrega de auxílios não é apenas um problema administrativo — é um reflexo da desigualdade estrutural.
Enquanto as famílias aguardam por respostas, a sensação é de abandono. “Parece que a gente não existe pra eles”, desabafa uma moradora da zona Norte.
A irregularidade na assistência não é apenas uma questão de números ou relatórios — é uma questão de dignidade.
