Enquanto o país se inunda de arraiais juninos e julinos padronizados, o culto a São Marçal, em São Luís do Maranhão, mantém viva uma tradição marcada pela fé negra e pelos tambores ancestrais. Ali, as caixas reverberam mais que som: elas reverberam história e resistência.
O sociólogo Paul Gilroy falaria do “Atlântico Negro” como espaço de trocas culturais e espirituais. A celebração de São Marçal é a própria encarnação disso: uma religiosidade que cruza oceanos e séculos, dialogando com cosmovisões africanas e com o catolicismo colonial. A festa é uma encruzilhada.
É impossível compreender essa manifestação sem recorrer à Antropologia da Religião de Mary Douglas: o sagrado se constrói também no corpo, no ritmo, na coletividade. São Marçal é mais que um santo: é um símbolo de como a fé negra ressignifica a dor, transforma a opressão em dança e a invisibilidade em presença.
É festa, sim. Mas é sobretudo afirmação de identidade num país que insiste em esconder suas raízes africanas sob camadas de racismo estrutural.
