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Festival de mentiras sobre fraude eleitoral vira piada nacional

O descaso do governo com a coisa pública chegou às portas do desprezo absoluto nessa quinta-feira (29), durante a live semanal do presidente da República, “convocada” em rede nacional para provar as decantadas fraudes no sistema eletrônico de votação. Como mais essa promessa deixou de ser cumprida, ficou cristalino para a maioria do povo brasileiro o nome, sobrenome e identidade da verdadeira fraude nacional. Foi um festival de mentiras. Pior do que isso. Viraram piadas e viralizaram as frustradas tentativas de parecer um respeitado chefe de nação. Ainda mais relevantes foram as (in) verdades proferidas pelo mandatário. Por tudo isso, entendo que está pacificada a tese de lapso eleitoral no pleito de 2018. Patética não fosse trágica, a afirmação de que as urnas podem ser fraudadas teve como protagonista apenas uma tela de computador.

Nela, um suposto hacker, apresentado como programador, mostra um simulador de urna e “assegura” a insegurança da máquina. Deliberadamente, a mequetrefe apresentação não informa que a simulação não tem qualquer relação com os equipamentos do Tribunal Superior Eleitoral. Terrível, para não dizer tardiamente infantil, foi o convencimento do presidente sobre a impossibilidade de provar fraudes na maquininha de votar. São só “indícios”, disse ele. Então, porque ocupar o tempo alheio com coisa alguma? A imprensa, os políticos, os ministros e técnicos do TSE, o povo que acreditava no quanto pior melhor e até apoiadores têm mais o que fazer. Na verdade, todos se sentiram mais uma vez enganados.

Ficou pior a emenda do que o soneto. Consolidou-se uma das maiores anedotas políticas das últimas décadas. Considerando que o ônus da prova é de quem acusa, duas frases do presidente do tribunal, ministro Luiz Roberto Barroso, devem servir para desmontar em definitivo a farsa da fraude no sistema do TSE. “Jamais foi documentado um episódio de fraude nas eleições realizadas com urna eletrônica” e “O discurso de Bolsonaro é a fala de quem não aceita a democracia”, definiu Barroso, após ser novamente gratuitamente atacado pelo principal ocupante do Palácio do Planalto. A melhor definição da live foi narrada por um importante site brasileiro: “Bolsonaro recicla mentiras para atacar urnas eletrônicas”.

Se podemos avaliar como tal, o bate-papo do presidente com sua turba poderia ter sido melhor aproveitado. Por exemplo, ele deveria ter tornado pública pelo menos uma razão para, diante de um fato escabroso como a suspeita de corrupção no caso Covaxin, dar ordens apenas “informais” para que o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, apurasse as denúncias do deputado Luís Miranda e de seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério. Essa foi a versão de Pazuello em depoimento à Polícia Federal, coincidentemente a mesma do presidente em lives ou “entrevistas” anteriores. Por que as informações sobre irregularidades não foram levadas às autoridades competentes?

Vale lembrar que, por conta dessa besteirinha da Covaxin, Bolsonaro é acusado de cometer o crime de prevaricação. Se isso é pouco, imaginemos o que deve ser muito e ainda está por vir. A informalidade do pedido para apuração da denúncia é digna de um folhetim mexicano de péssima qualidade, daqueles que até a emissora do Homem do Baú se recusa a retransmitir. A comprinha da pasta com a indiana Covaxin não se limitava a dez garrafas de Grapette, 12 envelopes de Cibalena ou 25 frascos de Merthiolate. Era negócio de barão e com preços 1.000% superiores ao anunciado pela própria fabricante seis meses antes do quase acerto. É só não bateram martelo por causa de Luis Miranda.

Querem provas maiores para o descaso? Consultem o abecedário do Centrão. Certamente terão justificativas de A a Z. Até quando? Como são seres humanos sujeitos a falhas ou falsas sensibilidades, um dia a retórica cai, a máscara afrouxa, o descaramento será desmascarado e o discurso de probidade será finalmente detonado e armazenado em um singelo vidrinho de óleo de peroba. E não há nada de improvável na afirmação. Talvez levemos alguns séculos para alcançar a glória, mas choraremos rios de felicidade quando recebermos o convite para o enterro do último político insolente no Brasil, o popular cara de pau. Que venham logo os tataranetos.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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