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Finanças ditam e obrigam a engolir suas normas

Como já é do conhecimento geral, o mundo ocidental, em especial, e todos os países deste planeta Terra foram sacudidos pelas finanças internacionais nos anos 1990. Isto se deu graças às desregulações promovidas na década anterior pelos governos de Margaret Thatcher (Reino Unido), Ronald Reagan (Estados Unidos da América – EUA) e pela abertura a empresas estrangeiras por Deng Xiao Ping, a partir de 1976, na República Popular da China.

O século XX foi abalado por três sistemas de poder.

De início as finanças, no modelo inglês, até a I Grande Guerra, ou Guerra Civil Europeia, como a denominam historiadores chineses. Com as derrotas do sistema financeiro inglês, toma o poder o sistema industrial estadunidense, que se preparava para este domínio desde o final do século XIX, com os incentivos dados pelo Estado ao processo de industrialização.

As industrializações estadunidense e soviética (esta a partir da Revolução de 1918) mudam a feição e objetivos nacionais, criando novos modelos de vida, que destacamos o american way of live, amplamente vendido pelas comunicações de massa, especialmente o cinema de Hollywood.

As finanças lutam contra o poder da industrialização desde os anos 1920, a princípio se associando aos movimentos de defesa do meio ambiente e da ecologia, porém mais intensamente após os anos 1960 com as denominadas “crises” do petróleo. Conquistando o governo em dois importantes centros de poder financeiro (New York e Londres) e, assim, a direção destes países, promovem as desregulações, expandem os paraísos fiscais, absorvem os recursos de origem ilícita, consolidam a nova realidade com a ideologia neoliberal, na última década do século XX.

Pode-se então entender que as finanças chegam ao século XXI com uma terceira estrutura, considerando a do século XIX, na Inglaterra, como a primeira, após as revoluções do século XVIII.

No primeiro tempo financeiro, o exercício do domínio se dava pela dívida. As finanças promoviam, com seus recursos, os empreendimentos mercantis, industriais, e deixavam os executores presos às dívidas que impediam o surgimento de um poder distinto ao das finanças. A aristocracia inglesa se apoderara do poder financeiro, após consolidar o poder fundiário, e construíra o sistema monetário como empreendimento privado e não exercício de soberania.

O segundo tempo, industrial, nascera da independência estadunidense aos princípios econômicos ingleses, e da enorme extensão de terras, a oeste, para incorporar ao patrimônio nacional. Na fabulação da mídia (sempre é bom lembrar o cinema de Hollywood e os contos dos autores estadunidenses do século XIX), tudo isso se deu por iniciativas particulares, mas, na verdade, os poderes públicos quer sob a forma de legislações impulsionadoras, quer com financiamentos ou com execução direta dos Estados, foram os grandes condutores desta marcha para o oeste.

É também curioso que, ao atingir as praias do Oceano Pacífico, esta forma de aplicação de recursos – lucros e terras – se dirigiu para as ilhas daquele Oceano. Hawai é um bom exemplo.

No segundo tempo não serão os juros, nem os alugueis, mas os lucros que formarão os novos donos do poder. Se as famílias eram significativas, pelas sucessões, heranças, casamentos, no primeiro tempo, neste segundo serão as sociedades de interesses e/ou habilidades comuns ou complementares.

Um exemplo, que perdura até hoje, das finanças do primeiro tempo é a família real inglesa, Stuart na origem, e com a denominação atual de Windsor. Da industrialização, os Rockfeller, que diferentemente tinham empresas com participação de milhares de acionistas.

Uma das agressões das finanças aos industriais foi levantar a questão dos monopólios da produção, quando nunca se tratou dos monopólios dos empréstimos. Como se observa, a luta pelo poder entre financistas e industrialistas vem desde o século XIX.

No segundo tempo, as finanças serão oposição ao poder das indústrias e serviços, exceto bancários.

O terceiro tempo volta às finanças, mas com as novas características que as desregulações permitiram. Qual o efeito prático das desregulações? O primeiro foi o anonimato dos capitais.

“Daí a importância de que o paraíso fiscal seja, também, um paraíso bancário, de modo que esta fusão acabe por originar aquilo que hoje se conhece como grandes centros financeiros offshore. Neste contexto, juntamente com Liechtenstein, Ilhas Cayman e Bahamas, a Suíça criou fama mundial como paraíso fiscal.” (Guilherme Gehlen Walcher, Paraísos Fiscais: a utilização de empresas offshore em Finanças Internacionais e os limites da licitude, Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Administração, Escola de Administração, UFRS, Porto Alegre, 02/10/2008).

O número de paraísos fiscais aumentou exponencialmente desde 1990 até hoje. E prevemos que, nesta terceira fase, venha a reduzir, especializando-se em administração de ativos específicos. De certo modo, os bancos chineses são, para alguns setores estratégicos para o Estado, especializados, o que os levaram à posição privilegiada no âmbito internacional das organizações financeiras.

O anonimato permite que capitais de origem ilícita, como o do tráfico de drogas, de pessoas e órgãos humanos, o dos contrabandos de toda sorte, saíssem dos armários para impulsionarem os capitais de fundos criados pelos bancos para dominar empresas e setores empresariais integralmente.

Porém o efeito maior e mais perverso foi a constituição de “gestores de ativos”, que são empresas financeiras que adquirem todas as empresas industriais ou de prestações de serviço, de um mesmo segmento, transformando num monopólio efetivo para produtos e/ou serviços.

Como se pode ver, a “guerra fria” foi uma cortina de fumaça para a verdadeira luta travada entre as finanças e a industrialização. E nesta segunda década do século XXI, com domínio dos gestores de ativos, o mundo vive um novo processo colonial, desta vez sem representar um interesse nacional, um império, mas o capital global, sem pátria, sem rosto.

Vejamos, por fim, algumas decisões, algumas ideias, que estão atingindo a todos na guerra híbrida, parte pelo domínio das comunicações outra pelos capitais, independente das origens, quer aproveitando a pandemia, quer independente dos efeitos do covid-19.

O primeiro inimigo das finanças, como se encontram neste terceiro tempo, são os Estados Nacionais. Não foi por mero acaso que George Soros, financista de 8,6 bilhões de dólares estadunidenses, em 2021, declarou ser o nacionalismo seu principal adversário.

Os Estados Soberanos obviamente não se sujeitam às diretrizes neoliberais, globalizantes, capa ideológica das finanças atuais. Por mais que os atuais governantes das ditas democracias ocidentais sejam, todos eles, representantes das finanças, eles, ao governarem, lidam com estruturas sociais e econômicas irredutíveis à especulação, colocando, assim, questões inescapáveis aos governantes, cujas agendas de liberalização nunca são plenamente atingidas, para desgosto dos seus chefes e ideólogos.

Outro inimigo é o valor do trabalho, a realização pessoal, o crescimento individual, o desenvolvimento tecnológico e transformador do trabalho. Surgem então os não empregos, o fim dos direitos trabalhistas, das responsabilidades com os idosos, aposentados, que é atribuição dos Estados. São desta fase a escravidão dos uber, a insegurança dos Microempreendedores Individuais (MEIs), e o desemprego.

A pandemia do covid permitiu às finanças atuarem em dois sentidos. A promoção dos isolamentos, pela política de confinamento, fazendo com que as pessoas não se relacionassem, não pudessem se unir contra as ações prejudiciais aos seres humanos e à economia em favor das pessoas. E também com o acréscimo de falecimentos. A morte em quantidade das populações é mais do que um objetivo, uma necessidade de um poder que está, permanentemente, se concentrando. Logo aumentando o número de pobres, de miseráveis, de famintos que poderão destruir seus símbolos visíveis, tais como, mansões de luxo, instalações bancárias, escritórios suntuosos, iates, helicópteros, jatinhos, dando maior insegurança ao cotidiano dos rentistas.

Concluindo, uma palavra sobre a comunicação.

Foram as finanças que se apropriaram das indústrias culturais, das comunicações de massa, desde os anos 1920/1930, crescentemente. Com esta arma passaram a divulgar fantasias, mentiras, dados incorretos e a doutrinação permanente de interesse financeiro. E também foram as finanças que logo perceberam as imensas possibilidades das comunicações digitais, investindo em sistemas que transferiam, de modo imediato e seguro, valores por todo mundo. Com esta arma dominaram as bolsas de valores e de mercadorias.

Hoje a robotização, única perspectiva da industrialização nas décadas citadas no parágrafo anterior, estão reduzindo ainda mais as oportunidades de trabalho. O homo laborans, enaltecido pelo pensamento moderno, tendo em John Locke, Adam Smith e Karl Marx seus principais arautos, perde cada vez mais a função em um mundo de crescente informatização. Já circulam carros de aluguel, táxis, dirigidos remotamente, eliminando até a necessidade escravista dos ubers. Como repensar a humanidade fora do labor, que, por séculos, conferiu significado à existência humana?.

Vivemos as realidades ditadas pela terceira fase das finanças, a dos gestores de ativos e seus monopólios privados, eliminando as liberdades propagandeadas pelo neoliberalismo e, cada vez mais, eliminando o ser humano tal como o conhecemos.

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