Como num vídeoclipe promocional encomendado pelos artistas do fracassado golpe de 8 de janeiro de 2023, os depoimentos do chamado núcleo duro da trama parecem mal editados e produzidos para uma conferência de paz. Apesar de o tenente-coronel Mauro Cid ter confirmado tudo e de A a Z, no conjunto da obra, os envolvidos liderados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro não fizeram nada. Pelo contrário. Estiveram reunidos nos palácios presidenciais em várias ocasiões exclusivamente para uma ação entre amigos em benefício dos inimigos.
Diante do xerife Xandão, nenhum deles foi tão corajoso como nos dias que antecederam a posse de Luiz Inácio na Presidência. Em alguns casos, a covardia foi manifestada pelo silêncio culposo do depoente esstrelado. Acostumado a gritar para seus inferiores, o general Heleno, certamente com medos das varejeiras, preferiu não abrir a boca. Pior foi o cinismo de alguns. Ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier negou ter colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro caso fosse necessário.
No depoimento a Xandão, ele disse que os tanques na Esplanada dos Ministérios eram somente uma “demonstração de força da Marinha”. Uma pena ele avaliar como idiotas o ministro Alexandre de Moraes, o procurador Paulo Gonet, os demais ministros da Primeira Turma do STF, a imprensa e a maioria da sociedade. Enfim, mesmo encalacrado até o dedão do pé direito, o oficial a serviço do golpe não deixou dúvidas de que os tanques e as tropas poderiam ser usados caso o piquenique regado a bombas na Praça dos Três Poderes não tivesse sido abortado.
Curiosa é a seriedade como insistem em mentir. Como se tivessem combinado, os depoentes caem em numerosas contradições. Nada que os incomode, pois, para cada uma delas, contam uma nova mentira. Mais malandro do que mané, Xandão tem deixado os mentirosos mentirem. Melhor não interrompê-los. No fim, todos acabam por morder a própria cauda a experimentar do próprio veneno. Macaco velho nos galhos do Judiciário, Alexandre de Moraes está escaldado. Ao longo da carreira ele aprendeu que o melhor mentiroso é aquele que faz a mentira parecer verdade e a sua verdade parecer falsidade. Ou seja, mesmo que a mentira seja doce, as consequências serão amargas.
Habituados com o poder absoluto, os ratos saíram do buraco, foram flagrados com o queijo na mão e, de vez em sempre, falam em voltar. É a mentira enraizada. Para os que têm medo da verdade, o fracassado golpe foi uma invenção dos comunistas liderados por Lula. São as viúvas da ditadura, adoradores da chibata, dos canhões e da escuridão do regime de exceção que, caso tivesse sido confirmado, alcançaria a todos, inclusive os congressistas bajuladores, hoje os maiores críticos da democracia, consequentemente os principais fomentadores dos discursos de ódio. Portanto, o problema não é a esquerda ou a direita. São os extremistas.
Eles se acham acima do bem e do mal, diferentes de todos os demais brasileiros e, o que é pior, trabalham somente para desconstruir, desestabilizar e desonrar os que lutam pela igualdade de direitos e de deveres. Falam o tempo inteiro contra a corrupção, mas esquecem que estão apenas cuspindo no prato que eventualmente não comeram. Que país é esse em que só a elite quer comandar? Não fosse um democrata convicto e ciente de que os tiranos não pensam além do umbigo, torceria para que os golpistas um dia “lograssem êxito” e experimentassem o veneno que destilam. Os norte-americanos reelegeram um deles. Vamos ver até quando o povo e os Estados Unidos suportam a pimenta ardida nos olhos.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978
