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Governo espera por um milagre na CPI da Covid

Entre o bom senso que deveria nortear os que comandam, o censo que o governo federal tentou não fazer este ano, o discurso nonsense e o medo sensorial do presidente parece ter um mar no meio. Só parece. Uma e outra coisa estão atavicamente vinculadas. A razoabilidade, que é sinônimo de prudência ou forma sensata e equilibrada de decidir e julgar, é absolutamente inexistente em todas as vertentes da administração. Apesar de mesquinha, a preocupação com o censo demográfico é singular. Ele não seria feito exclusivamente por causa do ensurdecedor empobrecimento entre o país recebido e o país de nossos dias. Na grotesca avaliação presidencial, a oposição e os apoiadores menos radicais não precisam saber disso. Mesmo acusado de interferência em outro poder, o Supremo Tribunal obrigou o governo a realizar o censo.

Quanto ao nonsense e as sensações de medo, as respostas escorrem pelas mãos do próprio mandatário. Pior do que o divisor do mar é o abismo que separa o falar e o fazer. Embora de apenas dois anos e quatro meses, a distância entre esses dois verbos é de um substantivo feminino: competência. O Brasil de mentirinha está apodrecido e cada vez mais no bolso dos mais espertos, aqui necessariamente representados pelos patriotas do Centrão. Via de regra, esse grupo monta uma tropa de choque que chora por qualquer defunto e organiza velórios bem antes do anunciado coma induzido. Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer foram vítimas quando perderam a capacidade de garantir dotes. Por isso, experimentaram lágrimas de crocodilo e receberam coroas de flores como se fossem arranjos de despedida.

A verdade é que, desorientado, desarticulado e sem os apoios que imaginava ter, o governo está sem rumo e cambaleia como barata tonta após uma xiringada do velho e bom flitz. Na CPI da Covid-19, onde tem fracassado diariamente, lembra uma armadilho (tatu) perdido à procura da toca. Nada disso, porém, diminui a empáfia do rei. Como acreditar em pessoas que se olham no espelho e não conseguem mais mirar somente a própria imagem? E como respeitar aquelas que têm certeza de que são deuses? Pior ainda é entender e conviver com os que apostam nessas divindades surgidas do nada. É só uma questão de soberba, sentimento caracterizado pela pretensão de superioridade e que já derrubou reis, imperadores, xás e similares verdadeiramente poderosos.

Um deles chegou das Alagoas, convocou um séquito de súditos, tomou conta da rampa e da praça, se achou dono do Congresso, quase virou mito, mas acabou sangrando e perdeu o Palácio antes mesmo que pudesse usufruir de tudo que chamava de seu. Senhor da razão, o tempo explica e comprova o que não alcançamos. Por exemplo, os soberbos, os que se acham superiores, são tão pequenos que nem sempre cabem na própria insignificância. A esses, meu carinho e afeição, porque o desprezo eles mesmos produzem. Todo esse preâmbulo eufemisticamente filosófico é para alcançar – sem ferir suscetibilidades – a expressão corda no pescoço. Após suar rios de lágrimas, foi aonde o governo chegou com a instalação da comissão parlamentar de inquérito nesta terça, 4, com os bastidores de Luiz Henrique Mandetta e, talvez, de Nelson Teich, ambos ex-ministros da Saúde. “Infectado”, Eduardo Pazuello refugou temporariamente.

Originária de alguns países como meio de pena de morte, o termo pode ser usado em muitas situações e significa que a pessoa está passando por mau momento. Na verdade, os desacertos administrativos, a politização de uma gripezinha que já poderia ter virado resfriado e os efeitos desastrosos e catastróficos de uma pandemia minimizada enrolaram a corda em pescoços, pescocinhos e pescoções. E não adianta buscar apoio em letras mortas da política nacional, algumas com alentada ficha criminal e insignificante biografia parlamentar. Cada vez mais vivas e atentas, essas figuras estão aí para explicar sobras de campanha, mensalão, orçamento de anões, vampiros da saúde, Banestado, desvios na Petrobras e Operação Navalha, entre muitos outros escândalos de corrupção.

O paredão – o fim da linha ou a disputa pela vida – está na linha de frente para pelo menos dois mortais. E a rejeição deve ser recorde para quem deixar o jogo. Se ainda não foram informados, eles devem saber que, mais do que as mãos, precisam lavar o coração, a alma, a mente, a consciência e o espírito. Que tenham coragem para combater os medos, recuperar a esperança e permitir disputas honestas e democráticas. Triste é perceber que, depois de anos de tranquilidade, as classes B, C e D estão, respectivamente, sem emprego, no fundo do poço e na miséria absoluta. Não se pode culpar unicamente o atual governo por esse estágio de penúria, mas, inquestionavelmente, o slogan inicial do governo virou pó. Não seria exagero se fôssemos acordados amanhã de manhã com gritos de fora todos que acham que o Brasil é de sua propriedade. Como acho isso improvável, talvez opte por não acordar tão cedo.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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