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Ideia de militares, Rondon volta com toda força

Conhecer problemas de municípios pequenos no interior do país e propor alternativas para solucioná-los com a participação da comunidade. Este é o objetivo do Projeto Rondon que, durante o mês de julho, realizou duas operações: uma no interior do Piauí e outra no Acre.

O projeto foi crido pelos governos do regime militar pós-64. Seguia a inha do marechal Castello Branco – integrar para não entregar. Hoje o programa envolve a participação de estudantes universitários que, após diagnosticarem as demandas de cada município, desenvolvem oficinas para serem aplicadas localmente.

A Operação João de Barro ocorreu ao longo de duas semanas, em 12 municípios do sertão do Piauí: Arraial, Barra D’ Alcântara, Cajazeiras do Piauí, Dom Expedito Lopes, Francinópolis, Francisco Ayres, Inhuma, Novo Oriente do Piauí, Paquetá, Santa Rosa do Piauí, São José do Piauí, Várzea Grande. Cerca de 250 rondonistas, entre professores e estudantes de universidades de várias partes do país, participaram das atividades.

Com a mesma quantidade de rondonistas e mesmo tempo de duração, a Operação Vale do Acre atendeu 12 municípios do interior do Acre: Acrelândia, Assis Brasil, Brasileia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Feijó, Plácido de Castro, Porto Acre, Senador Guiomard, Tarauacá e Xapuri.

O projeto
O projeto é inspirado em Cândido Mariano Rondon, o Marechal Rondon. Personalidade histórica, ele explorou uma parte do país até então desconhecida, fez contato com etnias indígenas e com suas viagens ajudou a detalhar o mapa do Brasil. O projeto Rondon aconteceu pela primeira vez em 1967, foi extinto em 1989 e voltou a acontecer em 2005, sob coordenação do Ministério da Defesa.

Desde a retomada até o final destas duas operações de julho de 2019, 23.905 rondonistas de mais de 2,4 mil instituições de ensino superior do país participaram do projeto atendendo 1.261 municípios. Somente na Operação Vale do Acre foram emitidos 14.997 certificados para a população local envolvida nas oficinas do Projeto. Na Operação João de Barro, no Piauí, foram 14.437 certificados.

Desde o começo do ano, as universidades selecionadas para participar das duas operações vinham preparando as oficinas que, no mês de julho, foram aplicadas nas comunidades locais.

Operação João de Barro
O estudante de Enfermagem Alexandre Martins Siqueira Filho, da Universidade do Vale do Paraíba, de São José dos Campos (SP), foi um dos escolhidos para ir ao Piauí. “A seleção começou com cerca de 170 pessoas para concorrer a oito vagas e, desde fevereiro, praticamente todos os sábados a gente se reuniu, participando de dinâmicas e entrevistas, para compor uma equipe com diferentes tipos de personalidade, para atravessar o país e viver tudo isso.

Ele conta que além de contribuir com as cidades que receberam o programa, a experiência também vai contribuir de forma definitiva para seu futuro: “É uma experiência única que a gente vai levar para o resto da vida. Isso vai formando a gente como cidadão, isso contribui muito com nosso caráter, as nossas atitudes, principalmente o nosso convívio na sociedade. Faz a gente não só ter um comportamento diferenciado, faz a gente influenciar positivamente as outras pessoas ao nosso redor”.

Os assuntos tratados nas oficinas são relacionados aos desafios dos municípios. Inhuma, no Piauí, por exemplo, sofre com a seca. Mesmo assim, há pouca consciência da população para a preservação da lagoa da cidade, de acordo com o chefe municipal da Defesa Civil, Neto Mercê. Garrafas de plástico são encontradas com frequência boiando na lagoa. Com base nessa informação, que Neto e outras lideranças locais passaram aos professores rondonistas durante reuniões precursoras, foram montadas oficinas em que os estudantes universitários falaram à população sobre o aproveitamento de materiais recicláveis.

Gabriela Alves Batista, aluna de Pedagogia da Faculdade do Vale do Itapecuru, de Caxias (MA), mostrou aos professores da rede municipal de Inhuma como reutilizar recicláveis para educação lúdica. “Porque muita coisa hoje é desperdiçada, coisas que você pode aproveitar e fazer daquilo um recurso didático e levar a diferença para a sala de aula. Eu tô muito feliz com a interação da comunidade, nós fomos muito bem recebidos. E durante a oficina eu percebi o interesse do pessoal, da comunidade”, comemora a universitária.

O coordenador-geral do Projeto Rondon, vice-almirante Luiz Octávio Barros Coutinho, explica que os municípios foram escolhidos com base em critérios como baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e população pequena. “Ganha o rondonista porque conhece e vê um Brasil distinto. Ganha a comunidade, que conhece um olhar novo. Às vezes a pessoa vê aquela mesma cena durante 20 anos e não percebe o que é que pode ser modificado. E às vezes um olhar vindo de fora pode dar um ganho muito grande para comunidade”, salienta o vice-almirante.

É o caso de São José do Piauí, onde os rondonistas constataram um imenso potencial turístico, a Capadócia Nordestina, que tem o apelido por causa das paisagens naturais que lembram essa região da Turquia. Uma das oficinas realizada no município foi de culinária. A ideia era se inspirar nos sabores regionais e trabalhar com as mulheres da cidade.

“Eles têm um potencial turístico muito grande, mas eles não têm essa percepção de como trabalhar esse turismo. A gente tem uma realidade das mulheres, principalmente, que elas provem muito do sustento da casa. Porque aqui é uma região de agricultura, então, na entressafra, os maridos ficam ociosos. Então, quem leva dinheiro pra casa são as mulheres. Essas são algumas das dificuldades que encontramos aqui na cidade”, conta Paulo Rogério de Arruda, professor de Jornalismo do Centro Universitário Módulo de Guaratatuba, litoral de São Paulo.

Operação Vale do Acre
No Acre, temas de saúde foram recorrentes nas dinâmicas dos rondonistas com a população local, como as consequências do uso de agrotóxicos para os trabalhadores rurais. Participante de uma das oficinas, a agricultora Luzia Soares, moradora de um assentamento em Porto Acre, conta que o marido dela teve problemas de pele ao mexer com esse tipo de produto. “Ele sentiu uma queimadura, criou bolhas nele. E aí ele não podia sentir o cheiro do veneno que ele sentia dor de cabeça. Aí ele teve que ir no hospital. Chegando lá os médicos constataram que ele foi intoxicado pelo veneno. Foi muito bom que o Projeto veio mostrando pra gente como se proteger mais, tendo os cuidados pra gente não correr o risco de a gente ficar intoxicado”.

Um dos professores à frente das atividades no interior do Acre foi Rafael Salgado Silva, da faculdade de química da Universidade Federal do Amazonas. Ele considera o Projeto Rondon o maior programa de extensão universitária do Brasil. “A extensão é quando a universidade extrapola o muro e vai para a comunidade, pra gente poder levar ações para melhorar a qualidade de vida da população vulnerável, de baixo índice de desenvolvimento. E pensando também na formação profissional dos alunos da universidade. Quando a gente vai para o Projeto Rondon, a gente encara a realidade do Brasil, que é um país do tamanho de um continente e tem realidades que a gente não conhece”, destaca.

O professor foi estudante rondonista em 2011, na Operação Rio dos Siris, em Sergipe e, quando soube que como aluno só é permitido participar uma única vez, ficou ainda mais empenhado em se tornar professor universitário. “Eu fiquei com aquele gostinho de quero mais, preciso viver isso de novo, isso não terminou, quero amadurecer mais”, relembra hoje já ao final de sua quarta operação, no município acreano de Porto Acre.

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