Júnior entrou na casa dos cinquentões há três anos, com a elegância de quem pisa num tapete vermelho, mesmo que de areia. Morador de uma charmosa vila à beira-mar, é conhecido, segundo comentam os amigos Nêgo, Gabriel e Rafa, como o “Don Juan das Dunas”, o “Galã das Marés” ou, como ele mesmo prefere, “O último romântico em tempo integral”.
O curioso é que, mesmo com esse currículo sentimental tão vasto quanto o oceano que beija sua porta, Júnior é homem de uma mulher só. Atende pelo nome de Rose, sua primeira, única e permanente paixão. “Primeira dama”, como ele faz questão de anunciar em qualquer churrasco, festa de aniversário ou fila da farmácia. Às vezes até quando ela não está presente, só pra garantir pontos extras.
Rose, claro, já ouviu de tudo. Dizem que fisgou Júnior com um olhar na feira de Gaibu — ou teria sido na missa de domingo, quando ela deixou cair o terço e ele se abaixou antes que o padre dissesse “amém”? A história varia de acordo com o grau de romantismo do dia… ou do vinho.
O fato é que, desde então, Júnior virou devoto de Rose. Acorda todo dia às seis, faz café com leite de coco (não exatamente gostoso, mas poeticamente exótico) e deixa um bilhete grudado na porta da geladeira com algo do tipo:
“Rose, minha maré mansa, hoje acordei com saudade de te ver sorrindo antes mesmo de você ter acordado.”
Rose responde com um “compra o pão que acabou” e um beijo no rosto.
Quando vai ao mercadinho, Júnior não resiste e compra rosas. Não por coincidência. “Pra minha Rose”, diz, com a convicção de um Romeu de bermuda estampada e chinelo de couro. E todo mundo na região já se acostumou. É que Júnior demonstra amar com aquele exagero que só se vê nos sambas antigos e nas novelas das seis.
Claro, com o tempo, o garbo virou um pouco de dor na lombar, o charme ganhou companhia de uma barriguinha camarada e o pique das noites de forró agora se resume a cochilos épicos durante a série da Netflix. Mas nada disso abala seu reinado.
E se alguém duvida do romantismo dele, é só perguntar o que ele quer ganhar de presente de aniversário: “Um pôr do sol com a Rose ao lado. E se vier com bolinho de macaxeira e queijo, melhor ainda.”
Júnior é a prova viva de que o amor verdadeiro pode, sim, usar óculos de grau, passar protetor solar fator 60 e ainda ser sexy. Don Juan do Litoral? Talvez. Mas só pra Rose. E isso basta.
Sobre o aniversário que comemora nesta quarta, 9, ele acordou na véspera com o coração palpitando diferente. Não era colesterol; dessa vez, era pura paixão mesmo. Comemorava 53 primaveras, embora preferisse dizer “cinquenta e três verões escaldantes, todos dedicados à mesma musa Rose”.
Decidiu surpreendê-la com um jantar à luz de velas. Comprou camarões graúdos no mercado, preparou um arroz de coco improvisado (com mais emoção que técnica) e até baixou no YouTube um tutorial de “como flambear sem botar fogo na casa”. O resultado? Digamos que o teto da cozinha ainda carrega um leve aroma de conhaque.
Às 19h em ponto, vestiu sua camisa florida de botões abertos até o peito, borrifou um perfume que Rose dizia cheirar a “marinheiro aposentado”, e ajeitou as velas na varanda com vista para o mar. A lua colaborou, cheia e exibida, como se tivesse sido paga para isso.
Rose apareceu linda, com um vestido leve, sorriso aberto e um ar de quem já sabia que seria cortejada. E, claro, se deixaria cortejar. Sentou-se, aceitou o vinho, riu das velas que ameaçavam apagar com o vento e dos camarões que mais pareciam bronzeados de sol do que grelhados.
Tudo ia bem, até que começou a tocar Luiz Gonzaga no Deezer do celular. Foi quando Júnior se levantou, bateu no peito com orgulho e declarou:
— Rose, essa noite é nossa. Vamos dançar um xaxado como se fôssemos Lampião e Maria Bonita, mas sem cangaço, só com carinho.
Rose arqueou a sobrancelha, desconfiada:
— Tu lembra como dança isso, Júnior?
— Minha filha… o xaxado tá no meu sangue, respondeu, rodopiando antes mesmo de segurar a mão dela.
Dois passos pra frente, um pra trás, requebrado de quadril e… crack! Não era a sanfona. Era o joelho do Don Juan rangendo como porta de armário velho.
Rose segurou ele antes que beijasse o chão.
— Tá doido, homem? Já tá querendo passar a segunda fase lua de mel no ortopedista?
Rindo tanto que mal conseguia falar, ela ajudou Júnior a sentar.
— Amor, vamos dançar sentados mesmo. Mexe só os ombros, tá ótimo!
E foi assim, com ele acenando os braços como quem espanta mosquito em dia de calor e ela rindo feito menina, que a noite seguiu.
Nessa noite, Júnior descobriu que o charme está menos nos passos de dança e mais na vontade de seguir dançando… mesmo com o joelho reclamando. E Rose? Ah!, Rose olhou pra ele com os mesmos olhos de quando derrubou o terço na missa, e disse baixinho:
— Tu é doido, mas é meu. E isso basta.
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José Seabra é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras
