Em tempos de malandros agulha do tipo MacGyver tentando furar tornozeleira eletrônica com ferro de soldar, me vejo no meio do povo comemorando um grande feito de um xerife que sente a quilômetros o cheiro de mufa queimando. É o meu, o seu, o nosso Xandão, o cabra que não foge do pau e ainda cerca o Lourenço antes de sua próxima alucinação. É Xandão, a figura real que, mesmo distante, lembra um expoente da ficção. Personagem durão, o tenente Theo Kojak, interpretado pelo ator norte-americano Telly Savalas, contrariava todos os prognósticos dos machões inveterados, os também chamados cafajestes.
Longe de mim dizer que ele escorregava no quiabo, mas seu visual austero e sua careca reluzente contrastava com a mania de manter sempre um pirulito no canto da boca. A guloseima era sua marca registrada, mas outras extravagâncias o diferenciavam dos demais policiais heróis dos anos 1973 a 1978. No Brasil, o sucesso da telessérie assombrou os craques de TV, do mesmo modo que o sucesso do carecão Xandão vem assombrando um clã de maluquetes assumidos. Quanto ao famoso intérprete, sua popularidade foi tanta que o nome Kojak tornou-se sinônimo de calvície. Tudo a ver com a época, mas não com nossos dias, quando o careca da vez não é somente super-herói da ficção.
Tivesse ele nascido no Velho Oeste, talvez o batizassem de forma mais invasiva. Afinal, suas decisões atingiram o fígado, o cuore e o sobre do moço que está igual ao José do poema de Carlos Drummond de Andrade. A obra foi publicada originalmente em 1942, mas sua atualidade é retumbante e autoexplicativa. “E agora, Jair? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, Jair? E agora você, você que é sem nome, que zomba dos outros…”. Sem cobrar pela sugestão, que tal, de modo inconsequente, “montar em burro brabo, subir em pau-de-sebo” e partir para a Pasárgada. Como escreveu Manoel Bandeira, lá é outra civilização.
“Tem um processo seguro de impedir a concepção, tem telefone automático, tem alcalóide à vontade e tem prostitutas bonitas para a gente (você) namorar”. Acho que a ideia é boa, mas tardia. O Kojak brasileiro é aquele que dá expediente nos gabinetes e nos plenários do Supremo Tribunal Federal e da temida Primeira Turma. Cinquenta anos depois, o tenente Kojak não dá mais ibope na TV brasileira. No entanto, seu pupilo da vida real mantém acesa a chama de que é melhor uma boa calvície do que duas ou três perucas esvoaçantes. Aliás, o tenente virou xerife, o pirulito deu lugar a uma simplória caneta de papelaria sem letreiro e o bordão fictício bem que poderia ser “Em tempos de terror, escolhemos monstros para nos proteger”.
Xandão não é um personagem qualquer. Ele não nasceu no Velho Oeste, mas “entre bravos se criou”. Diante de um bando de frustrados estagiários de golpes contra a democracia, mesmo contra sua vontade, “seu nome uma lenda se tornou”. Portanto, tivesse um chapéu de coco e uma bengala, Xandão seria facilmente confundido com o Bat Masterson, herói de uma antiga série da NBC. Não é, mas é como se fosse. “Sempre elegante, cordial e um dos maiores defensores da justiça”, o xerifão naturalmente calvo não se abala com ameaças de trogloditas, tampouco com gritos dos que sempre tiveram preferência pela destruição. Silenciosamente, ele impediu que o falso MacGyver fugisse em busca da Terra do Nunca.
E aí está. Pouco mais de três anos após a partida do Visconde de Sabugosa para os confins de Vila Monte e da recuperação do Nordeste, que chegou a gemer de dor emocional, Xandão já embaralhou o baralho, tirou os ases de ouro, copas e espada e deixou exatamente o de paus, que é para que todos saibam no futuro com quantos paus se faz uma canoa. Fez mais. Impediu que a solda pingasse de novo na imagem do Brasil, ao mesmo tempo em que alertou o beato rezadeiro que um dia arrastou e matou multidões sobre a desnecessidade de bola de cristal, jogo de búzios e cartomante. O amanhã já está definido. Junto da mensagem zodiacal, o realejo decidiu e repetiu o bordão do velho e bom Kojak: Teje preso, mito da loucura inventada.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
