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Kojak brasileiro impede falso MacGyver de fugir para a Terra do Nunca

Brasília - O ministro do STF, Alexandre de Moraes, fala à imprensa após reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Em tempos de malandros agulha do tipo MacGyver tentando furar tornozeleira eletrônica com ferro de soldar, me vejo no meio do povo comemorando um grande feito de um xerife que sente a quilômetros o cheiro de mufa queimando. É o meu, o seu, o nosso Xandão, o cabra que não foge do pau e ainda cerca o Lourenço antes de sua próxima alucinação. É Xandão, a figura real que, mesmo distante, lembra um expoente da ficção. Personagem durão, o tenente Theo Kojak, interpretado pelo ator norte-americano Telly Savalas, contrariava todos os prognósticos dos machões inveterados, os também chamados cafajestes.

Longe de mim dizer que ele escorregava no quiabo, mas seu visual austero e sua careca reluzente contrastava com a mania de manter sempre um pirulito no canto da boca. A guloseima era sua marca registrada, mas outras extravagâncias o diferenciavam dos demais policiais heróis dos anos 1973 a 1978. No Brasil, o sucesso da telessérie assombrou os craques de TV, do mesmo modo que o sucesso do carecão Xandão vem assombrando um clã de maluquetes assumidos. Quanto ao famoso intérprete, sua popularidade foi tanta que o nome Kojak tornou-se sinônimo de calvície. Tudo a ver com a época, mas não com nossos dias, quando o careca da vez não é somente super-herói da ficção.

Tivesse ele nascido no Velho Oeste, talvez o batizassem de forma mais invasiva. Afinal, suas decisões atingiram o fígado, o cuore e o sobre do moço que está igual ao José do poema de Carlos Drummond de Andrade. A obra foi publicada originalmente em 1942, mas sua atualidade é retumbante e autoexplicativa. “E agora, Jair? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, Jair? E agora você, você que é sem nome, que zomba dos outros…”. Sem cobrar pela sugestão, que tal, de modo inconsequente, “montar em burro brabo, subir em pau-de-sebo” e partir para a Pasárgada. Como escreveu Manoel Bandeira, lá é outra civilização.

“Tem um processo seguro de impedir a concepção, tem telefone automático, tem alcalóide à vontade e tem prostitutas bonitas para a gente (você) namorar”. Acho que a ideia é boa, mas tardia. O Kojak brasileiro é aquele que dá expediente nos gabinetes e nos plenários do Supremo Tribunal Federal e da temida Primeira Turma. Cinquenta anos depois, o tenente Kojak não dá mais ibope na TV brasileira. No entanto, seu pupilo da vida real mantém acesa a chama de que é melhor uma boa calvície do que duas ou três perucas esvoaçantes. Aliás, o tenente virou xerife, o pirulito deu lugar a uma simplória caneta de papelaria sem letreiro e o bordão fictício bem que poderia ser “Em tempos de terror, escolhemos monstros para nos proteger”.

Xandão não é um personagem qualquer. Ele não nasceu no Velho Oeste, mas “entre bravos se criou”. Diante de um bando de frustrados estagiários de golpes contra a democracia, mesmo contra sua vontade, “seu nome uma lenda se tornou”. Portanto, tivesse um chapéu de coco e uma bengala, Xandão seria facilmente confundido com o Bat Masterson, herói de uma antiga série da NBC. Não é, mas é como se fosse. “Sempre elegante, cordial e um dos maiores defensores da justiça”, o xerifão naturalmente calvo não se abala com ameaças de trogloditas, tampouco com gritos dos que sempre tiveram preferência pela destruição. Silenciosamente, ele impediu que o falso MacGyver fugisse em busca da Terra do Nunca.

E aí está. Pouco mais de três anos após a partida do Visconde de Sabugosa para os confins de Vila Monte e da recuperação do Nordeste, que chegou a gemer de dor emocional, Xandão já embaralhou o baralho, tirou os ases de ouro, copas e espada e deixou exatamente o de paus, que é para que todos saibam no futuro com quantos paus se faz uma canoa. Fez mais. Impediu que a solda pingasse de novo na imagem do Brasil, ao mesmo tempo em que alertou o beato rezadeiro que um dia arrastou e matou multidões sobre a desnecessidade de bola de cristal, jogo de búzios e cartomante. O amanhã já está definido. Junto da mensagem zodiacal, o realejo decidiu e repetiu o bordão do velho e bom Kojak: Teje preso, mito da loucura inventada.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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