Há um ditado bíblico que diz que ninguém pode dar aquilo que não tem e que nunca recebeu. Na mesma proporção, ninguém pode cobrar pelo que não fez. Embora o dicionário informe que ninguém signifique nenhuma pessoa, aqui ninguém tem a conotação de todos, indistintamente. Ou seja, estejam à direita, à esquerda, ao centro ou nos quintos de onde vieram, os políticos brasileiros precisam ter consciência de que foram eleitos para trabalhar pelo povo e não para tirar desse mesmo povo o que ele não tem.
Entre os direitos e os deveres de um presidente da República, de um governador, prefeito, deputado, senador e vereador deveria estar o respeito ao dinheiro público. Não está, nunca esteve e jamais estará. A gastança é um cancro impossível de ser extirpado em um país no qual locupletar é o único verbo que a maioria de nossos homens públicos conjuga em todos os tempos, vozes, modos e números. O mais usual é a conjugação no pretérito imperfeito do indicativo, tempo verbal usado para expressar continuidade e também como referência a ações em sequência.
Em outras palavras, não dá para mudar o que está posto. É como tratam as finanças do país. Entra governo e sai governo, a ladainha do rombo fiscal é a mesma. Em nome do povo, jocosamente conhecido por pagador, gastam o que não têm como se não houvesse amanhã. Sem receita capaz de justificá-las, criam despesas desnecessárias ou estapafúrdias e, quando a bomba ameaça explodir, criam um ou dois novos impostos para extorquir os bolsos de quem, desde o berço, se acostumou a pagar para viver e, quando dá, a economizar para morrer.
Hoje, depois do estrago produzido no Tesouro por aquele ex-presidente que não quer largar o osso, somos informados que o rombo da vez, isto é, do atual mandatário, foi causado por novas despesas da ordem de R$ 200 bilhões. Desse volume, mais de R$ 50 bilhões foram destinados para as emendas parlamentares, aquele bicho de sete vidas e muitas bocas que poucos conhecem a origem, mas todos reconhecem sua capacidade de, secretamente, encher o “bucho” com o dinheiro da fragilizada sociedade. Eles não estão nem aí, mas sabem que não tem IOF que resolva a bandalheira. Por isso, devem lavar as mãos. O governo que se vire.
Na dicotomia do bem e do mal, a didática é simples: é nós pagando para que eles enriqueçam. Acostumado ao nariz de palhaço que recebe logo após a conclusão do pleito eleitoral, o povo tem de se contentar com o futuro do subjuntivo do verbo sob análise. Nesse caso, o tempo verbal é frequentemente usado para indicar ações futuras hipotéticas e incertas, algo como não dá para mudar o que é regra. Isso quer dizer que ele locupleta, eles locupletam e nós pagamos enquanto tivermos vida. No âmbito jurídico, a expressão locupletar é utilizada no sentido de enriquecimento sem causa (de forma ilícita), normalmente em prejuízo de alguém.
Portanto, não há explicação lógica para transformar tantos recursos do povo em emendas que ninguém sabe onde vão parar. Do mesmo modo, como os “doadores” do que não têm podem exigir respeito dos que “doam” para eles o pouco que têm. Por essa razão, senhores detentores de mandato, independentemente de que sejam “patriotas” ou “meliantes” de esquerda, não se esqueçam de seus deveres de homens públicos. Desculpem a repetição, mas respeitem o povo. Tenham vergonha na cara e evitem gastar desmedidamente o que não é de vocês.
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Misael Igreja é analista de Notibras para assuntos políticos, econômicos e sociais
