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Luciano flagrado com velha lábia em cima de gatinha

Luciano, filho único da dona Eulália, era tratado como príncipe desde os mais remotos desejos bem ali no Pituba, um dos nobres bairros de Salvador. Não devemos, aqui, culpar a genitora, que, talvez por conta de miopia mal diagnosticada, desde sempre considerou o rebento a sétima maravilha do mundo. Sétima? Que nada! Era a primeira e todas as demais juntas naqueles cabelos loiros, que cismavam em cair sobre os olhos mais azuis do que o mais azul dos mares. Isso em dia de sol de domingo. Devaneio ou não, era o modo maternal de olhar a cria.

Assim que entrou na creche, todos ficaram maravilhados com tamanha beleza. E foi justamente nesse tempo que o moleque começou a jogar a cabeça para o lado, o que fazia seus cachos dourados bailarem como ondas sobre a testa. Para completar o quadro, aquele sorriso banguela fazia até o coração da durona Gertrudes, a diretora, se derreter. Que charme!

Da creche pra escola foi um pulo. Dona Eulália, talvez ainda necessitada de óculos, só conseguia enxergar “A” no boletim do seu garoto, apesar da nota mais alta não passar de um “C” em educação física. Quem sabe aquele não fosse o prenúncio de que Luciano chegasse a ser um futuro medalhista olímpico? Vai que… Na verdade, essa nunca havia sido a praia do agora adolescente.

Por falar em praia, eis que o bonitão adorava pegar sua prancha e correr para o mar. Só que, mal molhava os pés nas marolas, tratava logo de enfincar a prancha na areia para lhe fazer de apoio, enquanto ficava sentado observando as gatinhas que passavam. Jogava sua rede e, no final do dia, sempre havia uma garota ou outra que caía na lábia do galã do bairro.

Não tardou, Luciano ganhou um carro de presente. Havia passado no vestibular e a ocasião merecia. Além de colírio dos olhos, agora também estava provado que era um gênio. Nem Einstein podia com o filho da dona Eulália. Ah, não mesmo!

O rapaz, apesar de quase jubilado, caso não fossem as súplicas da mãe junto ao reitor da universidade, conseguiu se formar. Agora, nada de chamá-lo de Luciano. Era doutor Luciano, sim, senhor!

Dona Eulália conseguiu um emprego pro filho no escritório de um conhecido, que lhe devia um favor há tempos. E lá foi o agora advogado trabalhar e ganhar seu primeiro milhão, que, na verdade, ainda não aconteceu. Mas deixemos essas besteiras de lado. Afinal, dinheiro não traz felicidade.

Pois foi numa sexta-feira que aconteceu algo que mudaria para sempre o destino do novo advogado. Depois de mais uma semana repleta de trabalho, lá foi o homem dar uma volta pela cidade no seu novo automóvel. Uma belezura, por assim dizer.

Estacionou rente à calçada e, não tardou, pulou fora e fez o veículo de prancha de surf. Escorou-se na lataria e começou a paquerar as donzelas que passeavam. Uma delas, justamente a Mariana, acabou achando graça daquele sujeito de terno dois números acima, talvez para esconder a própria magreza. Aproximou-se com o sorriso de mulher faceira.

Conversa vai, conversa vem, Luciano, agora homem feito, acabou se engraçando para o lado da Mariana, moça mais sábia que a maioria. Fisgou o rapaz de um jeito, que não havia quem o tirasse do anzol. Nem dona Eulália conseguiu abrir os olhos apaixonados do pupilo.

O casório precisou acontecer o mais rápido possível, para evitar falatório da vizinhança. Que bom que tudo correu da melhor maneira. Mariana, barriguinha ainda chapada, conseguiu controlar o enjoo por conta do perfume de uva usado pelo padre. Casou pura que nem o vestido mais alvo que talco.

Juninho nasceu seis meses após. Prematuro, insistiam em propagar os familiares, mesmo que nenhum sequer fosse afeito a fazer contas. O bom é que o herdeiro nasceu parrudo e cheio de saúde.

Com mais uma boca para alimentar, Luciano precisou fazer serões no escritório. Se acontecesse de algum cliente acabar preso, por embriaguez ao volante que fosse, lá corria o gajo para a delegacia para soltá-lo. E as coisas foram assim até que, no final de seis meses, o advogado estava estressado e, segundo as próprias palavras, todas ditas em profundo silêncio para que ninguém pudesse ouvi-las, precisava relaxar.

O homem pegou seu veículo e rodou por boa parte da cidade. Acabou estacionando rente à mesma calçada de tempos atrás. Recostou-se na lataria do veículo e começou a olhar as mulheres que passavam. Uma mais charmosa que a outra, até que Luciano se rendeu à fraqueza da carne.

Lá estava o filho da dona Eulália de papo com uma garota de lá seus 20 anos. Sorrisos daqui, sorrisos dali e até sorrisos de acolá. Tudo parecia correr às mil maravilhas, caso não acontecesse o que, pasmem, aconteceu.

Da calçada do outro lado da rua, lá estava a Mariana empurrando o carrinho de bebê, quando avistou o marido, todo sorriso, com uma sirigaita. Ah, pra quê? Tratou logo de atravessar a rua e, diante do pobre homem, cujos cachos dourados haviam desparecido por conta de uma calvície precoce, soltou essa: “Sempre com essa mesma conversinha de para-lama, né, Luciano?!”

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