Como faço de vez em quando, usei algumas horas do fim de semana para circular livremente pelas ruas da Capital do país. Na Esplanada dos Ministérios, me surpreendi com o volume de palavras e frases espalhadas pelos prédios ministeriais, a maioria com o mesmo objetivo: lembrar que o Brasil é um país democrático e soberano. Sabedor do atual contexto de divisão político-ideológica, pensei com meus botões o que poderia conter de diferente nas entrelinhas daquelas palavras soltas. Com certeza, nenhuma alusão ao Outubro Rosa.
Alguma referência ao cinema mudo dos anos 40 e 50, tempos áureos de Charles Chaplin? Obviamente que não! Fiquei a ver navios até a leitura dominical dos principais veículos nacionais de comunicação. Lendo a coluna Opinião de um jornal local, me deparei com uma carta de um leitor e, de imediato, me senti como o leigo que decifra a conversa do operador de rádio que usa o código Morse com seu superior hierárquico. Sei que o tempo não volta. Também sei que o que volta é a vontade de voltar no tempo.
Por isso, retrocedi ao início de 2022, cerca de um ano antes da vitória de Luiz Inácio sobre o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. Naquela época, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral era o ministro Luiz Roberto Barroso, cuja maior ação foi pedir oficialmente ao governo do então presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, apoio à institucionalidade e à democracia do Brasil. Pedido feito, pedido atendido. Foram várias as manifestações norte-americanas contrárias a qualquer iniciativa capaz de melar o resultado das eleições presidenciais.
Obviamente que a interferência de Biden impediu o golpe tramado por Bolsonaro e sua trupe da maldade. Voltando às frases no topo dos prédios ministeriais, teriam elas o mesmo objetivo? Pode ser! O problema é que, tanto cá quanto lá, os tempos são outros. É verdade que o Brasil de hoje não é nem sombra daquele de 2022 e dos dias seguintes ao 8 de janeiro de 2023. As instituições funcionam sem interferências e a democracia parece definitivamente consolidada.
Também é verdade que, até as eleições, os golpistas estarão devida e merecidamente presos. Então, em tese, não há razão para preocupação. Pois é justamente nessa teórica falta de preocupação que mora o perigo. Assim como a sanha golpista não está sepultada, o atual presidente dos EUA é adepto da iniquidade e, por diversas vezes, já se manifestou favorável ao seu colega brasileiro de vilania. O abusivo tarifaço e a melodramática “ordem” para que o STF não condenasse Bolsonaro e seus asseclas não me deixam mentir. Para nossa sorte, ainda há juízes e homens fortes no Brasil. Além disso, as mentiras têm pernas curtas.
Tudo isso junto deve ter modificado a postura do mandatário norte-americano, a ponto de ele, publicamente, reconsiderar a avaliação inicial do colega brasileiro. A química e a demonstração de simpatia podem ser apenas suposições. Entretanto, certas coisas só são amargas quando a gente as engole. O Brasil e Lula da Silva não engoliram as ameaças do líder dos EUA. Portanto, ainda que o enredo do filme seja o mesmo, os protagonistas não são. É esse protagonismo que será usado como antídoto para qualquer tentativa de interferência no pleito de 2026. Ao contrário de 2022, hoje nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Ponto final.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978
