Dizia minha avó:
“Parece macaco, senta-se no rabo e aponta o do outro”.
Pois bem, domingo de madrugada, lá vamos nós para mais uma aventura, eu e um grande grupo, se eu não me engano éramos quarenta e seis, desses eu conhecia apenas seis pessoas.
A madrugada gelada, coberta pela fina neblina branca torna a linha vermelha no centro de Cachoeiro um cenário melancólico e digno de um filme de terror.
No ponto aguardando o ônibus, eu, minha filha e duas resistíamos aos dezessete graus registrados às três da manhã.
O silêncio da madrugada, a preocupação por estarmos sozinhas no ponto da linha vermelha naquele horário tornava o clima um pouco apreensivo.
Mas, para um trilheiro, ver o sol nascer em uma montanha vale a aventura e o risco.
O ônibus se atrasou um pouco, mas longo percorreu os pontos combinados e em instantes estávamos na entrada da estrada que seguia para a belíssima Pedra da Caveira em Atílio Vivacqua.
Ainda no escuro, o grupo segue em direção à pedra, com alguns atrasos, o alvorecer começa a nos pegar pelo caminho, apressada para ver o sol, deixo meu lado egoísta falar mais alto, me adianto abandonando minha filha e a amiga.
Não adiantou muito, o sol surgiu vermelho e lindo, aos poucos o alaranjado dá espaço para a luz do dia, mas o grupo segue em frente rumo ao topo.
À minha frente, uma amiga e três desconhecidas.
A conversa entre trilheiros é algo incomum, as pessoas falam uma com as outras de forma extremamente natural, como se elas se conhecessem.
Ou seja, eu, minha amiga e as três desconhecidas conversávamos normalmente.
Seguíamos morro acima com passos lentos, e eu caminhava atrás delas.
Meus olhos detectam um papel, uma etiqueta grudada atrás da bota da desconhecida.
Sem medir as palavras, eu pergunto:
__ Moça, sua bota é nova?
A outra desconhecida cai na gargalhada.
A moça responde:
__ É, sim, tirei ela da caixa de madrugada e esqueci de olhar a etiqueta, a menina viu há pouco e ainda não tirei.
Antes que ela terminasse de falar, me virei rapidamente para olhar atrás das minhas, eu também tinha tirado a bota da sacola, enfiado no pé às três da manhã sem olhar em nada.
E lá estava colado em cada uma delas o número trinta e seis.
Entre risadas, ela pediu que eu tirasse a etiqueta dela enquanto eu dizia:
__ Igual macaco, senta-se no rabo e aponta o do outro, vi a sua e não a minha.
Ao que outra corrigiu:
__ Reflexão para vida, se estamos vendo defeito no outro, talvez não estejamos olhando para nós.
__ Olha, pegou pesado, mas esse vale um brinde.
Essa talvez seja a filosofia da vida, errar, rir, filosofar, refletir e aprender.
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Mércia Souza, mãe, avó, artesã crocheteira e escritora, descobriu sua paixão pela arte ainda na infância, possui três livros publicados, dois romances e um de crônicas e participação em várias antologias. Fundadora do projeto “Mulheres com voz” sonha com um mundo de igualdade. Atualmente reside em Cachoeiro de Itapemirim-ES.
