Curta nossa página


Trilha

Mais fácil olhar o defeito do outro

Publicado

Autor/Imagem:
Mércia Souza - Foto Francisco Filipino

Dizia minha avó:

“Parece macaco, senta-se no rabo e aponta o do outro”.

Pois bem, domingo de madrugada, lá vamos nós para mais uma aventura, eu e um grande grupo, se eu não me engano éramos quarenta e seis, desses eu conhecia apenas seis pessoas.

A madrugada gelada, coberta pela fina neblina branca torna a linha vermelha no centro de Cachoeiro um cenário melancólico e digno de um filme de terror.

No ponto aguardando o ônibus, eu, minha filha e duas resistíamos aos dezessete graus registrados às três da manhã.

O silêncio da madrugada, a preocupação por estarmos sozinhas no ponto da linha vermelha naquele horário tornava o clima um pouco apreensivo.

Mas, para um trilheiro, ver o sol nascer em uma montanha vale a aventura e o risco.

O ônibus se atrasou um pouco, mas longo percorreu os pontos combinados e em instantes estávamos na entrada da estrada que seguia para a belíssima Pedra da Caveira em Atílio Vivacqua.

Ainda no escuro, o grupo segue em direção à pedra, com alguns atrasos, o alvorecer começa a nos pegar pelo caminho, apressada para ver o sol, deixo meu lado egoísta falar mais alto, me adianto abandonando minha filha e a amiga.

Não adiantou muito, o sol surgiu vermelho e lindo, aos poucos o alaranjado dá espaço para a luz do dia, mas o grupo segue em frente rumo ao topo.

À minha frente, uma amiga e três desconhecidas.

A conversa entre trilheiros é algo incomum, as pessoas falam uma com as outras de forma extremamente natural, como se elas se conhecessem.

Ou seja, eu, minha amiga e as três desconhecidas conversávamos normalmente.

Seguíamos morro acima com passos lentos, e eu caminhava atrás delas.

Meus olhos detectam um papel, uma etiqueta grudada atrás da bota da desconhecida.

Sem medir as palavras, eu pergunto:

__ Moça, sua bota é nova?

A outra desconhecida cai na gargalhada.

A moça responde:

__ É, sim, tirei ela da caixa de madrugada e esqueci de olhar a etiqueta, a menina viu há pouco e ainda não tirei.

Antes que ela terminasse de falar, me virei rapidamente para olhar atrás das minhas, eu também tinha tirado a bota da sacola, enfiado no pé às três da manhã sem olhar em nada.

E lá estava colado em cada uma delas o número trinta e seis.

Entre risadas, ela pediu que eu tirasse a etiqueta dela enquanto eu dizia:

__ Igual macaco, senta-se no rabo e aponta o do outro, vi a sua e não a minha.

Ao que outra corrigiu:

__ Reflexão para vida, se estamos vendo defeito no outro, talvez não estejamos olhando para nós.

__ Olha, pegou pesado, mas esse vale um brinde.

Essa talvez seja a filosofia da vida, errar, rir, filosofar, refletir e aprender.

……………………………………..

Mércia Souza, mãe, avó, artesã crocheteira e escritora, descobriu sua paixão pela arte ainda na infância, possui três livros publicados, dois romances e um de crônicas e participação em várias antologias. Fundadora do projeto “Mulheres com voz” sonha com um mundo de igualdade. Atualmente reside em Cachoeiro de Itapemirim-ES.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.