No coração da “calda nordestina” — expressão que remete à região do baixo São Francisco e partes do sertão, incluindo municípios de Sergipe, Alagoas e Bahia — o barro é muito mais que um material. Ele é a matéria-prima que constrói histórias, mantém vivas tradições centenárias e representa a resistência cultural de um povo que transforma o solo em arte e significado.
A cerâmica artesanal, nas cidades e comunidades dessa região, é um ofício passado de geração a geração. Em pequenos ateliês e oficinas familiares, o barro é moldado em peças utilitárias, como panelas, potes e objetos para o dia a dia, mas também em obras de arte, como esculturas e figuras de barro que contam histórias do cotidiano, da religiosidade e das lendas locais.
O processo começa na extração do barro das margens do rio São Francisco ou dos terrenos férteis da região, que possuem uma composição única, ideal para a cerâmica. Depois, o material é cuidadosamente limpo, amassado e modelado, seja no torno ou manualmente. A queima em fornos rústicos, muitas vezes movidos a lenha, é o momento em que o barro ganha resistência e cor — tons que variam do vermelho ao marrom escuro, conferindo identidade visual às peças.
Além da função utilitária, o barro na calda nordestina é símbolo de identidade cultural. As peças carregam traços da religiosidade popular, como santos e imagens de devoção, assim como representações do folclore, como figuras do boi-bumbá, vaqueiros e personagens do cangaço. Essa cerâmica é, portanto, um elo entre passado e presente, uma forma de preservar e difundir a história e as tradições locais.
As feiras e mercados regionais são pontos de encontro onde o artesanato em barro é valorizado e vendido, gerando renda e reconhecimento para os artesãos. Em muitas cidades, a cerâmica é celebrada em festas e eventos culturais que atraem visitantes e fomentam o turismo, promovendo o fortalecimento da economia local.
Apesar da riqueza cultural e do valor econômico, os ceramistas enfrentam desafios significativos, como a competição com produtos industrializados, a dificuldade de acesso a mercados maiores e a falta de incentivos para a profissionalização e modernização das técnicas.
Entretanto, iniciativas de cooperativas, associações e apoio governamental têm surgido para fortalecer o setor, promovendo cursos de capacitação, melhorando o acesso a matéria-prima de qualidade e ampliando a visibilidade da cerâmica nordestina no Brasil e no exterior.
O barro que molda a calda nordestina é, antes de tudo, um elo entre o homem e sua terra, uma matéria que carrega em si o suor, a arte e a história de um povo. É essa conexão que torna a cerâmica uma expressão viva e pulsante da cultura nordestina, um legado que merece ser valorizado, preservado e celebrado.
