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Mesmo sem moto, Vital sobreviveu aos reinados de Mombaça e do jet ski

Por um dia, semana, meses ou ano, qualquer ser humano sonha em ser rei. Os denominados “patriotas”, cujo imerecido reinado acabou sem que o povo percebesse, até hoje não aceitam ficar sem coroa. Isso me dá o direito de associar o deslumbramento desse grupelho a um bestial e engraçado fato ocorrido em 1989, sob a presidência de José Sarney, o homem do bigode amarelo. Em uma de suas numerosas viagens, nosso Marimbondo de Fogo foi substituído pelo possuído Paes de Andrade, então presidente da Câmara dos Deputados. Provavelmente sobrinho neto do charmoso José Bonifácio de Andrada e Silva, Paes não perdeu tempo com chorumelas periféricas e bolsonarianas.

Então líder do baixo clero, encheu os pulmões de ar, subiu a bordo do Boeing 707 da Presidência da República com 66 amigos e valorosos puxa-sacos, fazendo um pouso triunfal em sua cidade natal, Mombaça, no interior do Ceará de todos os brasileiros. Publicado nas páginas dos não menos famosos Almanaque Capivarol e Seleções da Turma do Jeca Tatu, o episódio ficou conhecido como a República de Mombaça e, obviamente, ainda hoje, 36 anos depois, é motivo de chacotas dentro e fora do Brasil. Governadores de importantes capitais também já experimentaram esse deslumbramento infantil.

Não disponho de informações a respeito de tão nobre gesto, mas tenho poucas dúvidas de que o fogo que sobe de bajo para riba é o mesmo que obriga os gajos a mostrarem aos pobres conterrâneos que, como eles, mediocremente subiram na vida. Paes de Andrade deve estar se confessando aos pés de São Pedro, São Paulo e São João e prometendo a São Jorge e São Judas Tadeu novos e salgados patrocínios ao meu, ao dele e ao nosso Flamengo do coração. E pouco importa que Gabigol retorne ou não à Gávea. Mesmo sem sua moto, o Vital do Brasil e dos Paralamas sobreviveu aos reinados de Mombaça e do jet ski e deve permanecer na capital.

A pedido do papa Leão XIV, Vital também abona todos os elogios ao time Mais Querido do mundo. Há controvérsias, principalmente do Manchester City. Para Pepe Guardiola, banco por banco o dele tem mais saldo médio. Quanto ao aeroporto de Mombaça, as moscas varejeiras e as formigas  se encarregaram de esburacá-lo. Na verdade, a pista de mil metros de saibro batido serviu apenas para o evento do menestrel cearense. A simplória justificativa para o fechamento foi a ausência formal de um administrador para o aeroporto da cidade. E quem havera de querer uma Mombaça daquela?

Naqueles quatro anos que a gente já esqueceu, a moda de um mito de areia era voar de jet ski nas simbólicas ondas do Lago Paranoá. Após três décadas e meia de sua façanha pelos ares da terra de Chico Anysio, Fagner, Belchior, Falcão e Calixto e Seus Cometas, Paes de Andrade festeja no céu o dia em que, de botas cano longo e calças boca de sino, se tornou um ídolo regional. Nada diferente de uma comédia pastelão, mas está na memória afetiva dos puxa-sacos vivos as meninas, senhoras e o povo trans de Mombaça gritando de paixão. O Brasil mudou sua identidade, mas, apesar da influência tatibitati de lorde Donald Trump, Paes é um fenômeno copiado pelo ídolo dos “patriotas”.

Com as correntes douradas emprestadas por um xeique catarinense, o mestre do besteirol chegou a inventar um novo jeito brasileiro de ser: odiar quem pensa diferente e, se possível, exterminá-los com doses cavalares de Ivermectina. No melhor estilo a farra não pode acabar, sua alteza sem trono propôs aos então prefeitos e governadores aliados a distribuição de barcos a motor a todo ribeirinho que, sob juramento, disser que não tomou nenhuma das doses da vacina contra a Covid-19. Os que comprovadamente se utilizaram de Cloroquina ou tubaínas variadas receberão um vale compra ilimitado da Havan. Mesmo sem mandato e bem próximo da prisão, sua destemperança real pensou um dia em recriar o clima de Paes. Se der errado, fica lançada a ideia futura para pousos de OVNIs na pista central da Esplanada dos Ministérios. Moral da história: ser rei por um dia ou quatro anos nem sempre acaba em festa.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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