Notibras

Miséria tem solução, mas não vem com milagre

No silêncio quente do meio-dia, quando até o vento parece cansado, o sertão revela suas cicatrizes mais profundas. A poeira fina que se levanta com cada passo não é só terra — é memória. É o rastro de vidas que insistem, mesmo quando quase tudo falta.

Na beira de uma estrada rachada, um menino segura uma lata velha como quem guarda um tesouro. Dentro dela, meia dúzia de feijões duros. “Pra plantar quando chover”, diz, com a fé desmedida de quem ainda não aprendeu a duvidar. A mãe observa, olhos fundos, mãos calejadas. Ela já duvidou muitas vezes — mas continua. Porque no sertão, descrer é um luxo que ninguém pode pagar.

A miséria por aqui tem rosto, nome e endereço. Mora nas casas de barro que resistem ao tempo, mora nos corpos magros que dependem de um Bolsa Família que não chega a completar o mês, mora nos açudes vazios, nos caminhões-pipa que atrasam, nas promessas que vêm de quatro em quatro anos e secam mais rápido que cacimba rala.

Mas a miséria, embora dura, não é absoluta. O sertão tem um jeito curioso de ensinar que nada é definitivo. Lá, onde tudo parece ruir, surgem soluções que ninguém esperava: a cisterna que muda o destino de uma família, a horta comunitária que alimenta três ruas, o grupo de mulheres que transforma mandacaru em renda, o professor que chega de moto e transforma um menino descalço em alguém que sonha.

O que falta não é capacidade. Nunca foi. Falta estrutura, falta olhar, falta uma política que seja mais que discurso bonito em palanque. Falta a sensibilidade de ouvir quem vive a seca por dentro, não apenas quem a estuda por tabela.

E, ainda assim, o sertanejo insiste. Até hoje ninguém descobriu de onde vem tanta força para continuar quando os dias são tão ásperos. Talvez venha do céu — aquele azul que parece eterno. Talvez venha da terra — que renasce mesmo depois de morta. Talvez venha do próprio povo — que aprende a transformar escassez em criatividade, e dor em resistência.

A miséria tem solução? Tem — mas não nasce de milagre. Nasce de compromisso. Enquanto isso não chega, o sertão segue esperando — mas não parado. Porque, apesar de vulnerável, ele nunca foi fraco. É povo que luta, que planta esperando chuva, que cria coragem mesmo quando a vida desanima.

E no fim do dia, quando o sol se despede em laranja profundo, o sertão prova mais uma vez: por aqui, o que mais existe é esperança teimosa. Aquela que ninguém consegue arrancar. Aquela que, se deixar, vira futuro.

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