Embora tivesse ares de cinzas para a maioria dos ministros da 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, a longa quarta-feira protagonizada pelo ministro Luiz Fux lembrou um carnaval fora de época para os oito réus da Ação Penal 2668. A “escorreita” e prolixa narrativa de Fux em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus parceiros na trama golpista contra a posse do presidente Lula certamente envergonhou mais do que cansou os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Carmem Lúcia e Cristiano Zanin. Conforme o voto de Fux, Bolsonaro deveria ser premiado por bom comportamento. Para os demais réus, só faltaram os adjetivos de santos e de lindinhos.
Foi um comício destinado exclusivamente a livrar a tropa de todos os crimes imputados a ela pela Procuradoria-Geral da República. Como não há argumentos que não mereçam contra-argumentos, sem muitas delongas vale lembrar que, em março, ao tornar Bolsonaro réu, o mesmo Luiz Fux teceu loas à síntese de Moraes, a quem chamou de brilhante. Por que mudou? Mudou por quê? Teria alguma coisa a ver com o pedido de Eduardo Bolsonaro a Donald Trump para cassar visto e confiscar imóveis e recursos de quem votasse contra o pai? Só Deus saberá!
Nas incoerências de quase um dia inteiro, Luiz Fux, o novo herói dos bolsonaristas, afirmou que golpe de Estado só se caracteriza quando há deposição do governante eleito. Ele não disse, mas o Brasil inteiro conhece os motivos pelos quais Luiz Inácio não foi deposto. Desnecessário reafirmar que a posição dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica foi determinante para a manutenção do Estado Democrático de Direito. As armas não foram mostradas, mas elas, o contingente militar e os acampados e ensandecidos fanáticos estavam prontos para o ataque.
Exageros à parte, mas, considerando as abstratas teses do ministro, podemos dizer que um estuprador não comete crime se usar camisinha durante o sexo sem consentimento ou se interromper o científico coito. Mantida a argumentação, o Comando Vermelho, as milícias ou qualquer outra facção criminosa podem ficar à vontade em suas respectivas comunidades. Não há crime se não houver armas em eventuais invasões e/ou fuga antecipada do chefe do tráfico na comunidade inimiga.
Seguindo a máxima do voto, desde que de forma “carinhosa” e sem armas à mostra, os bandidos podem extorquir moradores, comerciantes, entregadores, motoristas de aplicativos e até carros de funerárias. O respeito ao morto é condição sine qua non. Muitos juristas foram ouvidos ao longo do dia nos noticiários de rádios e TVs. Entre eles, a afirmação unânime foi no sentido de que, do início ao fim do voto, o ministro se baseou em teses abstratas, as quais não se sustentam diante do amontoado de provas apresentadas pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, pela Polícia Federal e pelo procurador-geral, Paulo Gonet.
Ao traçar um paralelo entre os movimentos Black Blocs, Passe Livre e afins com a barbárie do 8 de janeiro, o ministro Luiz Fux esqueceu de um detalhe relevantíssimo. Nos dois primeiros não havia, nem de longe, a presença e o apoio ostensivo das Forças Armadas. Registre-se que ambos foram contidos pelas forças de segurança normais dos estados. Ou seja, embora tenham atentado contra órgãos públicos, a meninada rebelde não tinha poder, armas, tampouco ideias golpistas. Falando sério, aguardemos a nova ordem a partir dos votos de Carmem Lúcia e de Cristiano Zanin.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978
