Ser ou não ser, eis a questão. Extraída da peça de teatro Hamlet, de Willian Shakespeare, a frase tem tudo a ver com o imaginário popular. Assim como eu, ninguém do povo nasceu com a intenção de descobrir a pólvora, tampouco de provar a existência de um teorema. Aliás, o que são os teoremas? Na filosofia, são proposições que têm demonstrações e, por isso, podem ser comprovadas como verdadeiras. Na matemática, é uma dedução lógica que pode ser provada a partir de deduções baseadas em afirmações autoevidentes. Como eles não me interessam, prefiro ficar com o raciocínio do povo, cuja imaginação limita as dúvidas à lógica de que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não sei se me entendem, mas, como sou das antigas, penso numa coisa e, sem o necessário fôlego, acabo fazendo outra coisa.
Entenderam? Eu não consigo explicar, mas posso adiantar que, mesmo as duas coisas sendo “coisas”, ainda assim elas não representam a mesma coisa. O que quero dizer é que, quando as duas coisas se encontram, nem sempre dá boa coisa. Eis a razão pela qual permaneço sem a solucionática de minha problemática. Em síntese, eu e meu amor nascemos um para o outro. Só falta quem nos apresente. É algo parecido com a moça que ficou surda de um ouvido, sentiu tremores nas pernas e câimbra na altura da virilha, percebeu que o olho começou a piscar sozinho e, sem saber por que, chorou copiosamente. Ela está doente em estado terminal? Claro que não!
Perdoem-me a insensibilidade e a rudeza, mas ou ela estava assistindo a mais um terrível jogo do Vasco da Gama ou acabara de tremelicar após a funhanhada do dia. Esta é a minha dedução. Seja lá o que for, nada mais real do que um tesão eufórico com toques de demência. É bom que não esqueçamos que, por trás de toda ação, há sempre uma história. A minha é antiga e me remete à fase em que tinha certeza de que pensar demais deixava qualquer um isolado do mundo. Senti que estava errado quando, de dez palavras que pronunciava, somente nove eram entendidas por aqueles que já haviam experimentado a mesma situação.
Diz minha própria lenda que bastava sonhar com mitos e reis que dava leão na cabeça. Meninos muito enfeitadinhos era batata: veado no primeiro prêmio da séria e imperturbável loteria do mago da contravenção Castor de Andrade. Ganhei várias vezes. O lucro eu usava para me enfatiotar na Bemoreira/Ducal, de onde saía pronto para os bailinhos mela cueca nos subúrbios do Rio 40 graus. Tudo ao som do Ursinho blau-blau. Como o povo da época não tinha preocupação com o cigarrinho do capeta, muito menos com o pó do Peixão, os jovens como preferiam cheirar coisas bem melhores. Nada daquiiiiiiiiiiiiiiilo. Normalmente a preferência era pelo cangote rasgado das meninas. Tudo era preto no branco, com lacinhos cor de rosa.
Avançar o sinal significava ser obrigado a casar na marra. Por isso, a maioria optava pelo cutuque sem a pipocada atrás do carvalho. É o saudosismo do túnel do tempo. É dele que saem histórias de conquistas e de realizações que não se apagam da memória dos mais fragilizados, independentemente do pior dos males do século: a Inteligência Artificial. Essa tal é aquela coisa que faz a Jojo Todynho parecer de corpo e alma com a Xuxa Meneghel depois do Ayrton Senna e antes do Pelé. Nesse caso, não há hipótese de uma coisa ter sido outra coisa. Como na vida de teoremas improváveis e sem prova alguma sempre há dúvidas entre tesão e tensão, fico com a incontestável tese de que perigo e prazer despencam do mesmo galho. Na versão do povo de hoje, o melhor da coisa é coisar.
É por isso que, às vezes, sinto na pele que a vida só é dura para quem é mole. Triste é viver sem ter vivido. O melhor da existência é concluir que, depois de tantos anos de experiência, somos divergentes por definição. Por mais que tentemos, não conseguimos entender a praticidade dos jovens de agora. Eles são mais eloquentes do que os de minha época. Tive certeza disso quando, indagado pela sobrinha mais nova sobre o que dar ao namorado de apenas uma semana, recomendei uma gravata ou um sapato. Como resposta, ouvi que, além de não ser careta, ele (o namorado) só usava tênis. Sem opção, sugeri que ela transasse com ele. A nova resposta me calou para sempre: “Não vou dar presente repetido”. Como Wenceslau também se dá mal, fico por aqui antes que reconheçam meu atraso físico, emocional, temporal e sexual. É por isso que, dependendo do interlocutor, digo sempre – e com eco – que conversa que não entendo, minhoca lá.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
