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O golpe só não foi perfeito por imperfeição dos agentes da trama criada no Palácio

Ser ou não ser, eis a questão! Ex-presidente da República de um único e interminável mandato, Jair Bolsonaro começa a ser julgado nesta terça por uma série de crimes, entre eles o de tentativa da abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Certo? Certíssimo para a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, para os defensores da Constituição e para uma expressiva parcela da população brasileira. Errado somente para aqueles que avaliam tramas golpistas como crime perfeito. Na prática, como o levante estimulado e financiado pelos bolsonaristas não deu em nada, não foi nada. Se desse certo, também não seria nada.

Conforme o disse onário, crime perfeito é cometido com tal planejamento e habilidade que nenhuma evidência é deixada e o culpado não pode ser encontrado. O termo também pode se referir ao crime não detectado depois de cometido ou, ainda, quando não deixa suspeitas que justifiquem uma investigação. Obviamente que não é o caso envolvendo Jair Bolsonaro e seu entorno. O batom está dentro, fora e no meio da cueca. É verdade que não houve armas, tanques, fuzis, tampouco tropas. Entretanto, mais do que evidentes, as intenções eram claras, fartamente documentadas e todas na boca do povo da desordem.

Além de recados externos, entre eles dois ou três do ex-presidente dos EUA, Joe Biden, o golpe só não se configurou por dois motivos incontestáveis: a incompetência generalizada dos articuladores e executores e a suposta não adesão ao plano golpista dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior. Acho que devo retirar o termo suposta, pois, de acordo com relatórios da Polícia Federal, ficou comprovado que os dois oficiais de fato não aceitaram a pressão dos militares simpáticos à insurreição.

Também contribuiu para que o motim comandado por Bolsonaro morresse no nascedouro a reação de autoridades sérias dos Três Poderes, com destaque para os então presidentes do STF, da Câmara e do Senado Federal. Portanto, embora os idólatras do mito insistam na já derrotada tese de que não houve golpe, a rebelião existiu e com objetivos definidos desde que o núcleo duro do bolsonarismo entendeu como iminente a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os procedimentos planejados estavam o assassinato de Lula, do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal em que Bolsonaro é réu, e de Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.

Enfim, a intenção de cometer o golpe é cristalina. Ainda que finjam não saber, os leigos e os patologicamente estultos com certeza sabem que tentativa também é crime, especialmente quando as práticas já foram iniciadas e não se consumaram exclusivamente por circunstâncias alheias à vontade do agente. Se os que tentam contrariar a obviedade do golpe, alguns até por eventuais desvios de caráter, basta recorrer ao noticiário relativo ao desfile de 7 de setembro de 2021, na Avenida Paulista, em São Paulo.

Na ocasião, diante de uma multidão de apoiadores e de bajuladores políticos, o sempre autoritário Bolsonaro disse com todas as letras que só sairia “preso, morto ou com a vitória”. Se dirigindo aos “canalhas”, ele afirmou que jamais seria preso. Estas foram as palavras que, segundo o procurador-geral, Paulo Gonet, afastaram qualquer dúvida a respeito das intenções de Jair Bolsonaro em entregar democraticamente a cadeira do Planalto ao vencedor. Ser ou não ser significa viver ou não viver. No caso de Bolsonaro, como viver sem o poder? Por isso, o crime imperfeito que produziu, mas que, para seus seguidores, se mantém perfeito.

Perdidos no espaço, para esses a perfeição independe da cueca melada, dos quilômetros de documentos, das horas de som e vídeo e, sobretudo, das irrefutáveis convicções de pelo menos quatro dos cinco ministros da 1ª. Turma do STF, colegiado do qual Jair Messias Bolsonaro deverá sair condenado na próxima semana. Se não fugir, é claro. As perguntas que não querem calar são simples e objetivas: Se não havia intenção de golpe, por que os acampamentos defrontes aos quartéis do Exército, as faixas, cartazes e palavras de ordem pedindo a volta da ditadura? E por que a barbárie de 8 de janeiro de 2023? Seria um crime imperfeito tivessem dado o golpe? Perfeição é o mais alto nível numa escala de valores. Como os golpistas não têm valor algum, fracassaram. Por fim, pediria aos que não viram golpe para que deixem de mentir sobre o que não podem provar.

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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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