De acordo com o dicionário e com o Glossário Eleitoral, ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, ter direitos civis e políticos, além de também participar do destino da sociedade, isto é, votar e ser votado. Os mesmos alfarrábios definem a política como a arte ou a ciência de governar, de organização, direção e administração de nações ou estados. Teoricamente, o político precisa ser um cidadão. A teoria fica por conta da prática assumida pelo político depois de eleito. Embora o filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella entenda que política e cidadania significam a mesma coisa, eu tenho convicções controversas.
Eles não deveriam ser como garfo e faca. Não deveriam, mas são. Para início de conversa, lembro a tese filosófica do alemão Friedrich Nietzsche, para quem um político, seja de esquerda, de direita ou de centro, divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos. Menos radical e mais consciencioso, o cidadão divide seus semelhantes em três categorias: familiares, amigos e colegas. Sempre foi assim. Sempre? Sim, mas deixou de ser exatamente por conta de um arremedo de político, cujo objetivo principal ao ser eleito foi – e é – criar inimizade entre os cidadãos.
Aristotélicamente, o homem é um animal político. Também baseado em Aristóteles, lembro que a política não deveria ser a arte de dominar, mas sim a de fazer justiça. Ei$ a diferença entre o cidadão de caráter, correto e trabalhador e a maior parte dos políticos brasileiros. À custa de muito suor e de muita luta, o primeiro trabalha para alcançar um mínimo de sucesso. Com alguma lábia, pouco caráter e excessivas doses de malandragem oculta, o segundo pouco trabalha e chega ao máximo do sucesso sugando o que o primeiro conquistou após anos de labuta.
Em resumo, um político sem caráter (infelizmente a maioria) “é o alimento expurgado pelo seu próprio corpo”. Aportuguesando a afirmação, os chamados representantes do povo fazem na vida pública o que estão acostumados a fazer na privada, também conhecida em determinadas regiões por “casinha”. Por essa e outras razões, não confio em ninguém com mandato eleitoral, da mesma forma que custei a confiar em alguém com mais de 30 dinheiros, mais de 30 ternos ou mais de 30 conselhos. Não sei de cor o artigo 30 da Constituição, mas precisei de apenas 30 minutos da vida para perceber que eu devo medir a vida nas coisas que eu mesmo faço.
É a velha história de que, quando a política faz o cidadão, a chance dele se corromper é bem menor do que quando o cidadão faz a política. No Brasil de hoje, pior do que o político corrupto é o cidadão que o defende. Não defendo nenhum dos que já se apresentaram, tampouco dos que estão se apresentando. O palco e o cenário podem ser diferentes. No entanto, a capacitação e o enredo são exatamente os mesmos. Deixei de ter esperança quando, lendo textos de Platão, aprendi que, como qualquer ser normal, via as coisas em sonho e acreditava conhecê-las perfeitamente. O entrevero é que, ao despertar, descobria que nada sabia. E nada sei. Por exemplo, como negar a mim mesmo que a política é constituída por cidadãos sem ideais e sem grandeza?
E como reunir filhos e netos para desconstruir a tese de que política e cidadania são a mesma coisa? Pode ser, mas não abro mão de repetir à exaustão que, felizmente, a parcela de cidadãos de bem e que vivem distantes da política ainda é amplamente majoritária. A minha certeza a respeito da disparidade entre um e outro é simples, didática e bastante casual: a diferença de um ladrão para um político corrupto é que o primeiro não foi eleito por ninguém. Paradoxalmente, escrevo sobre política quase que diariamente. Mas não faço política em nenhum segundo dos meus dias. E não há nada de errado com aqueles que, como eu, não gostam de política. A singeleza do problema é que nós seremos governados por aqueles que gostam. É o meu, é o nosso merecido castigo.
……………..
Misael Igreja é analista de Notibras para assuntos políticos, econômicos e sociais
