Confirmando a certeira teoria de Ulysses Guimarães, desde a Constituinte, iniciada em 1987, o Congresso brasileiro não é mais o mesmo. Sem o protagonismo de outrora, seus integrantes desceram do bonde da história e montaram no jegue chamado retrocesso, cuja filosofia é girar em torno de si mesmo. Nos últimos dois anos, a maioria gira para salvar quem está no fim da linha. Para isso, como aprendizes de escoteiros, produzem provas contra si e montam acampamentos defronte à Corte Suprema como se tivessem peso para impor seus desejos quase sexuais a um ministro sério e cuja impiedosa legalidade está nos tutanos que afloram de sua dura, reluzente e penetrante careca.
São cidadãos travestidos de parlamentares e incapazes de se envergonhar de gestos próprios de capachos, de vassalos. Pelo contrário. Se for para agradar o mestre da pandêmica mitologia do golpe, eles trabalham e conspiram contra a própria pátria. Por conta deles, aos poucos o Brasil está deixando de ser considerado uma nação. Estamos cada vez mais próximos de uma filial do inferno. Foi-se o tempo em que nos uníamos para defender coisas sérias e comuns.
Foi-se o tempo em que a maioria esmagadora dos deputados e senadores era séria e já chegava à Câmara e ao Senado rica. Já vai longe a época em que a vontade de os eleitos trabalharem pelo povo era muito maior do que a necessidade do enriquecimento fácil e à custa do Erário. Alguns se limitavam à busca dos holofotes de Brasília, considerados a melhor luz para alavancar seus negócios ou, de forma mais lúdica, para se entreter, consequentemente aparecer em suas bases eleitorais e, se possível, em todos os rincões.
Não havia vinculações de medíocres com firma reconhecida a medíocres que se acham com inteligência acima da média. Os que não tinham ideias, propostas e raciocínio lógico no máximo se candidatavam ao confinamento no cercadinho do baixíssimo clero da Câmara dos Deputados. Mesmo usando de extrema violência verborrágica, alguns experimentaram o limbo por 28 anos consecutivos. Saíram de lá, chegaram ao topo e voltarão ao pó, mais precisamente à terra de chão batido. E isso ocorrerá mesmo que a vaca tussa em inglês dos Estados Unidos ou que o leão resolva rugir em hebraico.
Saudades de Ulysses, de Mário Covas e de Franco Montoro. Entre as “feras” do Parlamento não havia um que tivesse vergonha ou medo de que seus nomes de batismo fossem anunciados nas tribunas das duas casas ou citados nas páginas políticas dos jornais, nas rádios e televisões do país. Nenhum parlamentar das antigas precisava se esconder atrás de títulos que parecem pesar tanto quanto um quilo de bosta seca. Levada pela vaidade excessiva ou, quem sabe, pela duplicidade de CPF, hoje a maioria dos congressistas faz questão de se apresentar como astronauta, cabo, capitão, major, coronel, general, defensor, pastor, delegado, professor, doutor (a) fulano ou lambe botas de Bolsonaro.
Com todo respeito aos políticos com mestrado e doutorado em lorotas, os homens públicos de nosso tempo são, conforme tese do escritor português José Saramago, a mentira legitimada pelo povo. E é uma mentira que dói na alma porque acaba destruindo o que os desusados levaram décadas para construir. Em síntese, as mentiras de hoje colocam em dúvida todas as verdades de ontem. Como são tantos nas duas ou três últimas legislaturas da Câmara e no Senado, inclusive e sobretudo a atual, eles (os mentirosos) provavelmente são as únicas criaturas capazes de odiar sua própria espécie. Talvez seja por isso que tratam o eleitor com tanto desdém. Metaforicamente, eles normalmente chutam com os pés o que está mais à mão. Para atingir Lula da Silva, foi o que fez Eduardo Bolsonaro ao recorrer a Donald Trump.
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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras
