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Que país os golpistas queriam deixar para nosotros?

Com ou sem casaca, coturnos sem cadarço ou fardas desbotadas, medalhas sem brilho, imagem arranhada até a alma e um pote até aqui de mágoa no lugar do coração, a direitona sem efeito e sem noção sempre se mostrou preocupada com o país que a esquerda poderia deixar para seus amados filhinhos. Sem a mesma ênfase, jamais se manifestaram sobre a nação que deixariam para os brasileiros caso tivessem vencido as eleições. A profecia do milagre econômico dos anos 60 e 70 não se consumou. Daquela época, sobrou o proselitismo ideológico, o ufanismo exacerbado e um monte de religiosos empenhados somente com a solução de suas causas pessoais e financeiras. Deus cuida da vida e da saúde dos outros. Tem sido assim e assim seria se o golpe tivesse sido certeiro.

Em síntese, deixaram muito pouco para o muito que desenharam e pintaram. Quase tudo ficou no papel. Na verdade, o país dos sonhos dos “patriotas” seria o pesadelo dos que verdadeiramente amam a pátria. Nos piores devaneios da turba bolsonarista, o melhor dos mundos seria poder interferir na Polícia Federal quando quisessem, transformar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em um poleiro dourado para arapongas com supersalários, desacreditar o sistema eleitoral sempre que lhes conviesse e, com ajuda de um cabo e de um soldado, invadir a sede do Supremo Tribunal Federal após decisões contrárias aos apaniguados.

Dominar o pensamento dos integrantes das Forças Armadas e fechar o Congresso Nacional não passaria de detalhes, principalmente se conseguissem eleger, como fizeram em 2022, dezenas de parlamentares subservientes e prontos para fazer tudo que seu mestre mandar. Vale registrar que mandar o mestre sabe. Seu problema é imaginar e fazer o que imaginou. Nada de anormal para embromou quase 30 anos no Parlamento e mais quatro anos no Palácio do Planalto. Com relação à subserviência, com todo respeito ao senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), brasileiros inteligentes e desinteligentes lembram com nitidez como Jair Messias o tratou de 2019 ao fim de 2022.

Mais do que desrespeito, as patadas ao então vice-presidente eleito eram públicas. Alguém lembra para quantas reuniões de governo o hoje senador foi convidado? Deixa pra lá. Bastou o irreversível revés do coitadinho do mito para que o corporativismo da caserna se manifestasse. No atual contexto, defender o ex-companheiro de partido já soaria como algo pouco palatável. Citando Hitler, por razões óbvias, o general da reserva Hamilton Mourão fez pior: pediu uma ação enérgica dos chefes das Forças Armadas refutando a operação que mirou, e pegou, aliados de Jair Messias Bolsonaro.

Leigo, mas não idiota, acho que, antes do espírito de corpo, o senador militar (ou seria o contrário) deveria estar preocupado com os numerosos arranhões sofridos pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, braços sérios e honrados do Executivo, aos quais “cabe defender a honra, a integridade e a soberania da pátria contra agressões internas e garantir a ordem e a segurança internas, as leis e o exercício dos podres constitucionais”. Ou seja, em lugar algum está escrito que as Forças Armadas ou seus representantes devem trabalhar, estimular ou bancar golpes de Estado. Está aí o motivo básico do sonoro não enviado pelos militares que acreditam na democracia como o maior bem da sociedade a Bolsonaro e seus fiéis seguidores.

E agiram democraticamente e com base na sucessão de equívocos cometidos pelo ex-presidente e sua turba assanhada. A hora da verdade protagonizada pela PF deixou claro que não há crime perfeito e que os criminosos sempre deixam pegadas, rastros. Junto da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, os “achados” da PF, incluindo vídeos no computador do delator e conversas extraídas de celulares, mostraram que o que parecia invenção de perseguição, virou especulação, indícios, fatos. No português menos arcaico e metafórico, o que está posto é muito mais grave do que o batom na cueca. É o beijo no asfalto molhado e escorregadio das pelotas localizadas entre o corrugado e a Faixa de Gaza.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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