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Quem (além do capitão) teme a CPI da Covid-19?

Sem a popularidade e a força eleitoral que um dia imaginou ter, Jair Bolsonaro está cada vez mais enroscado nos tentáculos fisiológicos do Centrão. Com seu jeito desgovernado de ser, parece estar acostumado com a fieira de derrotas políticas e judiciais, acumuladas desde que tentou impor posições em detrimento da governança negociada para, por exemplo, tirar o país da crise, especialmente a da pandemia. Mesmo com problemas internos insolúveis e nas cordas do Congresso, não consegue negociar para conter os estragos anunciados com a CPI da Covid-19, cuja instalação deve definir o dia D e a Hora H do presidente. Em busca de uma tábua de salvação, escolhe interlocutores na periferia do Parlamento, ataca ministros do Supremo Tribunal Federal, desafia instituições e culpa a imprensa e a esquerda pelas mazelas do país.

Após uma semana em que fingiu estar fora da curva, em processo de regeneração, o capitão – agora sem os generais na linha de frente – se sentiu acuado com os iminentes riscos da CPI para a Presidência. Enfraquecido, ameaçou o STF com uma “bomba atômica”, cujas ogivas só atingiriam (se atingirem) o ministro Luís Roberto Barroso, que autorizou a abertura da comissão parlamentar. A frustrada tentativa de retirar assinaturas para evitar a instalação da CPI parou no subserviente senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que “vazou” o nada republicano pedido presidencial para incluir governadores e prefeitos nas investigações. Mais do que isso, Bolsonaro também “solicitou” de Kajuru (um dos signatários da CPI) requerimentos de impeachment contra ministros do STF, de modo a atingir especialmente a Barroso. E ele atendeu. Aliás, apenas Kajuru e Bolsonaro acham que o Brasil acreditou na balela de vazamento.

O ministro Barroso seria a tal bomba atômica, que acabou um traque por conta do bocudo senador, que, desde os tempos de radialista esportivo, não consegue guardar segredos. O resumo da ópera é que, enfraquecido e com a (im)popularidade em alta baixa, para salvar dedos e anéis, terá de ceder mais espaços no governo ao grupo liderado pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). E não adianta o jus esperniandi, tampouco querer jogar no colo de adversários a culpa pelo absurdo quantitativo de mortes decorrentes da Covid-19. Se houve omissão, não foi de govenadores e prefeitos. Por meio de redes sociais ou lives diárias, o próprio presidente e seguidores de plantão boicotaram iniciativas contra a doença, entre elas o uso de máscara, distanciamento social e vacinação em massa.

Aplicadas assertivamente em todos os cantos do mundo, essas medidas só não deram certo no Brasil por absoluta falta de gestão e de estratégias do Palácio do Planalto. Por causa dessa inoperância, viramos chacota internacional. Recentemente, a imprensa francesa destacou que o Brasil havia se transformado em laboratórios a céu aberto de variantes do vírus. A piada séria ficou sem resposta. No pior dos cenários para o governo, Bolsonaro está pagando o preço pela opção errada de politizar a pandemia e seus efeitos. Desde o início, receitou medicação ineficaz e maléfica, desprezou a morte, desconsiderou o ser humano e confrontou ministros, magistrados, governadores, prefeitos, cientistas, médicos e enfermeiros dispostos a salvar vidas, inclusive daqueles que os agrediam em praça pública.

Por tudo isso, produziu um infinito abismo entre a Presidência, o Supremo e boa parte do Judiciário, criou antipatias com importantes setores do Congresso Nacional, terminando nos longos e robustos braços do Centrão. Agora, se quiser manter a governabilidade e continuar com alguma fantasia sobre 2022, terá de aceitar as concessões que jurou jamais fazer. Isso quer dizer que, com a rapidez de um raio, cuspiu grosso no prato em que já comeu, mas que, a pedido dos ideólogos de botequins, prometeu jogá-lo definitivamente no lixo do Planalto. Teve de retirá-lo correndo, antes de o grupo aceitar novas propostas. E elas chegam em profusão. Se Bolsonaro nada deve, por que tanto receio da CPI? Enquanto a investigação não começa de fato, ele faz o que mais gosta e sabe: joga para a plateia.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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