Nas cozinhas do Recife, tradições que cruzaram o Atlântico há séculos continuam vivas em cada panela de barro, em cada tempero amassado no pilão e em cada prato servido. O que hoje chega à mesa como acarajé, mungunzá, vatapá ou caruru é resultado de saberes ancestrais africanos que resistiram ao tempo e se reinventaram no Brasil, especialmente no Nordeste, onde a herança cultural afro-brasileira pulsa de forma intensa.
O azeite de dendê, com sua cor vibrante e sabor marcante, é um dos maiores símbolos dessa herança. Trazido pelos povos da África Ocidental, ele se tornou indispensável em pratos que ultrapassam o campo gastronômico e se conectam diretamente com rituais, celebrações e identidades. Nas barracas das ruas do Recife, é comum encontrar quituteiras que aprenderam com mães e avós a arte de equilibrar o dendê com especiarias, mantendo viva uma tradição que começou muito antes da formação do Brasil.
O inhame, outro ingrediente presente tanto na culinária quanto em práticas culturais afro-indígenas, também carrega uma longa história. Ele aparece no café da manhã de muitas famílias recifenses, no preparo de mingaus e caldos que remontam aos hábitos alimentares das comunidades africanas e seus descendentes. A raiz, antes vista apenas como alimento básico, hoje ganha destaque em restaurantes que resgatam a gastronomia ancestral e a combinam com técnicas contemporâneas.
Pesquisadores apontam que grande parte da culinária pernambucana, desde o uso de pimentas até a forma de preparar pescados, tem raízes profundas nos povos iorubás, jejes e bantos. Esses saberes não chegaram apenas como receitas, mas como memórias coletivas que foram sendo transmitidas oralmente, integrando fé, festa e cotidiano.
No Recife, chefs, cozinheiras tradicionais e coletivos gastronômicos têm se dedicado a valorizar esse legado. Eventos culturais, oficinas de culinária ancestral e feiras afro-brasileiras reforçam o compromisso com a preservação e a difusão desses saberes. Para muitos desses profissionais, cozinhar é também um ato político: uma forma de honrar a história dos que fizeram dessa gastronomia um pilar da cultura brasileira.
As mesas recifenses, portanto, são mais que um espaço de alimentação; são locais onde memória, resistência e identidade se encontram. Entre o aroma do dendê, a textura do inhame e os sabores marcantes que compõem a culinária afro-brasileira, permanece viva a força de um povo que transformou seus saberes em legado — um legado que continua a nutrir corpo e alma.
