O sol ainda nem tinha rasgado o horizonte quando o sertão despertou com aquele silêncio pesado que só a seca sabe impor. A terra, rachada em cicatrizes fundas, guardava as marcas de anos sem chuva — como se o chão tivesse aprendido a sofrer calado. No Nordeste profundo, cada passo levantava poeira, cada vento carregava saudade, e cada olhar dizia mais do que qualquer palavra poderia traduzir.
Nos rastros da seca, a vida segue, mesmo quando parece desistir. Há um povo que aprende a caminhar sobre a aridez como quem caminha sobre memórias. Gente que faz do pouco um jeito de continuar. Ali, onde a água falta, a esperança insiste em nascer — teimosa, bonita, quase inconsequente.
Nas estradas de chão, vê-se o desenho das jumentas magras, das latas d’água equilibradas na cabeça, dos peregrinos que caminham como quem carrega o mundo nas costas. Vê-se também o brilho nos olhos de quem espera a chuva como quem espera notícia boa — aquela que demora, mas chega transformando tudo.
E no coração desse Nordeste sedento, pulsa uma força que não se mede. É a fé que se renova nos terreiros, nos potes vazios, nas promessas feitas à sombra dos mandacarus. É o sorriso que nasce mesmo em tempo de dor. É a certeza de que nenhum sertão é maior do que a coragem de quem o atravessa.
Porque a seca passa — sempre passa. Rói, machuca, resseca, mas passa. E, quando as primeiras gotas caem, o chão abre o peito e recebe a chuva como quem recebe um velho amigo de volta. A terra, antes dura, se enche de vida. E o sertanejo, calejado e sábio, agradece em silêncio, sabendo que novos desafios virão, mas também sabendo que ele, mais uma vez, estará pronto.
Assim segue a jornada: dura, árida, bonita. Nos rastros da seca, encontra-se também o rastro da resistência — essa marca eterna do Nordeste que, mesmo ferido, nunca deixa de florescer.
