A região Nordeste tornou-se protagonista de uma revolução energética. Com abundância de sol e ventos constantes, a região concentra mais de 80% da energia eólica e solar do país, além de projetos pioneiros de hidrogênio verde, apontado como combustível estratégico do futuro. Estados como Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará e Pernambuco atraem investimentos bilionários e assumem papel central no cumprimento das metas climáticas brasileiras.
Mas por trás desse cenário de progresso, comunidades tradicionais denunciam que a transição energética vem sendo conduzida de forma desigual. Quilombolas, agricultores familiares e pescadores relatam que raramente são consultados sobre a instalação de grandes usinas eólicas e solares em seus territórios. Para muitos, a promessa de desenvolvimento sustentável se converteu em incerteza, barulho, impacto ambiental e perda de modos de vida.
No Piauí, moradores de áreas rurais foram surpreendidos por projetos de usinas solares que se aproximaram de suas casas sem debate prévio. Temem não apenas mudanças na paisagem e restrição de acesso a terras tradicionalmente usadas para cultivo, mas também problemas de saúde ligados ao calor refletido pelos painéis. Já no quilombo Serra dos Rafaéis, em Pernambuco, as turbinas do parque eólico Ventos do Araripe III trouxeram consequências inesperadas: ruídos constantes, estresse entre os animais e prejuízos que não estavam previstos nos estudos iniciais.
Especialistas em direitos socioambientais apontam que os casos evidenciam falhas na aplicação do princípio da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), previsto em tratados internacionais ratificados pelo Brasil. “Não basta gerar energia limpa se ela nasce a partir da violação de direitos”, afirma a pesquisadora em políticas ambientais Mariana Santos.
A expansão da energia renovável no Nordeste gera ainda outro dilema: quem se beneficia diretamente dos lucros. Enquanto grandes empresas, muitas delas estrangeiras, colhem ganhos bilionários, comunidades vizinhas a esses megaprojetos permanecem sem acesso a saneamento básico, escolas de qualidade ou oportunidades de emprego proporcionais ao porte dos investimentos. Essa discrepância alimenta a discussão sobre a necessidade de uma transição energética justa, que leve em conta não apenas a descarbonização da matriz, mas também a justiça social.
Apesar das críticas, a importância do Nordeste no setor é inegável. O Rio Grande do Norte já responde por quase um terço da energia eólica do país, enquanto a Bahia lidera em projetos solares de grande escala. Somados, esses estados transformaram a região em vitrine internacional para investidores, fortalecendo a imagem do Brasil como potência em energias renováveis.
Para especialistas, o desafio é garantir que o futuro energético não repita erros do passado. Isso significa incorporar a participação efetiva de comunidades locais nas decisões, investir em políticas de compensação socioambiental e assegurar que os benefícios se distribuam de forma mais equilibrada. Modelos de microgeração, cooperativas de energia e parcerias comunitárias são apontados como caminhos possíveis.
O Nordeste, portanto, vive uma encruzilhada. De um lado, a chance de consolidar-se como referência mundial em energia limpa. De outro, a responsabilidade de não transformar a promessa de sustentabilidade em mais um capítulo de exclusão social. Se a transição energética pretende ser justa, precisa garantir que o sol e o vento que movem turbinas e painéis também iluminem a vida das comunidades que há séculos habitam essas terras.
