Em 1989, o Brasil parou diante da televisão para assistir ao último capítulo de Vale Tudo. Foram 86 pontos de audiência, um recorde que uniu o país em torno de uma pergunta simples e desconfortável: afinal, vale a pena ser honesto?
Aquela era uma época em que o Brasil voltava a votar para presidente depois de muito tempo. A economia cambaleava, a inflação corroía salários e a desconfiança rondava todas as promessas políticas. A novela capturou esse sentimento nacional de perplexidade, misturando ficção e realidade com a precisão de quem entendia o humor e o desencanto de um povo acostumado a improvisar para sobreviver.
Trinta e seis anos depois, Vale Tudo volta ao ar em uma nova versão e encontra um país completamente diferente diante da tela. A televisão já não tem o monopólio da atenção, o público se dispersa entre celulares, redes sociais e plataformas de streaming. Ainda assim, a pergunta permanece a mesma.
A tecnologia mudou, a sociedade mudou, o discurso mudou. A honestidade, porém, continua sendo tratada como um fardo para alguns e uma utopia para outros. O “jeitinho” se modernizou, migrou para o digital, ganhou consultores e assessorias. O moralismo agora tem filtros, hashtags e marketing. O dilema, no entanto, é o mesmo de 1989.
Entre o país que acreditava em novelas como espelho da vida e o país que vive conectado em todas as telas, há uma distância imensa em costumes e velocidade. Mas há também uma semelhança incômoda. Seguimos aplaudindo a esperteza e desconfiando da virtude. Seguimos oscilando entre a admiração pela integridade e a sedução pela vantagem.
O sucesso da primeira versão e a repercussão da atual revelam muito mais do que números de audiência. São duas fotografias de um mesmo Brasil em tempos diferentes. Um país que evoluiu em tecnologia, mas ainda não conseguiu decidir se vale mais ser honesto ou esperto.
Vale Tudo ainda não terminou, mas a pergunta continua de pé. E, pelo visto, continuará ecoando enquanto o Brasil existir.
