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Vantagem de ser honesto no Brasil é a falta de concorrência

Amigo do primo, do tio, do afilhado de um velho companheiro, meu novo vizinho é político e um daqueles desonestos até debaixo d’água, mas tem lampejos de honestidade quando tem sede. É a similaridade dos picaretas com a espiritualidade, cuja máxima é que não existe ser humano perfeito. Por mais sérios que sejamos, sempre há a possibilidade de uma escorregadela aqui, ali e acolá. Dizem os mais céticos que não há hipótese de o homem escapar vezquandariamente de uma furtiva, banal e descompromissada cagadinha.

Faz parte da vida, seja ela sacra, mundana, parlamentar ou festivamente evangélica. Portanto, apesar de os mais vividos afirmarem que conselho não se dá, valho-me da oportunidade para lembrar que não devemos acreditar na vida perfeita que muitos exibem na internet, muito menos nas promessas eleitoreiras dos políticos brasileiros. Perfeição e honestidade são qualidades e, por isso, não precisam ser expostas, mas observadas e elogiadas. No Brasil de hoje, principalmente no sistema político, a vantagem de ser honesto é que a concorrência é pequena.

Aliás, armados, com a Bíblia na mão direita, com a botina comprada por meio das big techs de Donald Trump ou com carinha de pum fora do tempo, não confiem em políticos com mais de 30 anos. Já os que têm menos de 30, sugiro nem cumprimentar. O risco é grande. Como dizia Seu Cuca, política é a ciência da corrupção. Craque na arte de associar corruptos à política, Seu Cuca avaliava a corrupção como a maior invenção política. Tão grandiosa, segundo ele, que, se acabar, acabam os políticos.

Seria ela o fruto podre de nossa indiferença política? Certamente, visto que, apesar da sujeira, o povo sempre se esquece de que uma eleição é a principal oportunidade para se passar a nação à limpo. Pensando que corrupção é algo como arroz com feijão, a maioria se limita ao currículo dos políticos, esquecendo de checar o prontuário. Normalmente se fixam exclusivamente na árvore genealógica, na indumentária e na eloquência dos políticos. Se roupa e palavreado escorreito dissessem alguma coisa, os políticos não precisariam nem de terno para roubar. E assim caminha a mãe gentil com destino a lugar algum.

Comecei a falar do vizinho político, passei a falar de todos e nem me toquei que, falando de um, falo de uns. As cagadinhas são as mesmas. Recentemente, ao encontrá-lo no elevador, decidi pedir emprego ao “amigo” para meu filho do meio. O menino terminou o Segundo Grau e precisa trabalhar. No mesmo dia, recebi uma ligação do moço me informando que havia uma vaga de assessor na Comissão de Saúde da Câmara, com salário de R$ 18,7 mil para começar, e outra de secretário de um deputado, ganhando R$ 10,8 mil.  Achei muito alto para o guri recém-formado. Tentando ser o mais honesto possível, indaguei se ele conseguiria algo mais baixo.

O vizinho, então, ofereceu uma vaga de assessor parlamentar, com salário de R$ 7,5 mil. Novamente achei exagerado e perguntei se não havia nada na faixa de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil, no máximo. Além de estarrecido, a resposta me deixou convicto de que as cagadas são muito maiores do que a gente imagina. Conforme o novo “amigo”, esses valores seriam impossíveis, pois são destinados exclusivamente para vagas de concursos para professores, médicos, enfermeiros, nutricionistas, dentistas, policiais e psicólogos, desde que com mestrado e doutorado. Como sou pobre, mas sou limpinho, me calei e me lembrei daquela velha história de que normalmente quem pede o que quer recebe o que não quer.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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